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alexei bueno
nota introdutória à obra de Gerardo Mello Mourão
A obra de Gerardo Mello Mourão
representa, quase solitária, uma vertente importante da poesia brasileira
no século XX. Fatores históricos no desenvolvimento da literatura
brasileira desde o final do século anterior contribuíram para que ela se
mantivesse num certo distanciamento aristocrático dentro do quadro mais
popular das unanimidades nacionais. Com o estranho fato que foi entre nós
a derrota social do Simbolismo em relação ao Parnasianismo, redundando num
surgimento do Modernismo não como um desenvolvimento do primeiro, como
quase universalmente ocorreu, mas como uma reação polêmica ao segundo — já
desaparecido em quase todo o mundo — certas características do início do
movimento foram tomadas quase como dogmas, tais como o coloquialismo, o tom
cotidiano, a visão de todo material da realidade, etc. Toda a poesia de
tom voluntariamente mais solene, mais alto, passou, a partir desse
momento, a ser considerada anacronismo, ou postura ultrapassada. Qualquer
tentativa de mundivisão religiosa ou órfica foi banida pelos herdeiros
acadêmicos da Escola do Recife, do Positivismo, do Parnasianismo laico e
mundano, do primeiro Modernismo do poema piada e do cotidiano coloquial.
A poesia de Gerado Mello Mourão, de forte índole poundiana, ao mesmo tempo
extremamente brasileira — diríamos especificamente nordestina — e
helênica, popular e altamente erudita, pessoal e universal, religiosa e
fisicamente concreta, se ressentiu, em sua recepção social, dessas
idiossincrasias acima mencionadas, o que felizmente não afeta em nada a
sua validade intrínseca.
Nestas Obras Completas, que só o são no sentido de “publicadas em livro” —
visto a existência de um vasto universo de textos de imprensa, e outros,
não recolhidos em volume — patrocinada por feliz iniciativa da Secretaria
de Estado de Cultura de Fortaleza, o leitor entrará em contato com a longa
trajetória poética — mais de meio século — de Gerardo Mello Mourão, desde
Cabo das Tormentas, da exata cesura do século XX, até Invenção do mar,
passando pela sua trilogia central Os peãs. Do ficcionista encontrará
romances da importância de O valete de espadas e Dossiê da destruição, até
formas mais breves como as enfeixadas em Piero della Francesca ou as
vizinhas chilenas. Do prosador não ficcional, finalmente, descobrirá o
analista político de Frei e o Chile, o historiador de Um senador de
Pernambuco, o múltiplo ensaísta da Invenção do saber, o admirável biógrafo
hagiográfico de O bêbado de Deus, ou o suave memorialista elegíaco de Os
olhos do gato.
Trata-se, como podemos ver, de obra ímpar no panorama da nossa literatura
do último século, que agora surge pela primeira vez majoritariamente
sistematizada para a fruição formativa de todos os amantes do pensamento,
do espírito e da poesia.
ALEXEI BUENO é autor
de As escadas da torre, Poemas gregos, Nuctemeron e Magnificat. Como
editor da Nova Aguilar organizou as Obras Completas de Augusto dos Anjos,
Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e muitos outros. Publicou também,
pela Nova Fronteira, Grandes poemas do Romantismo brasileiro e uma edição
comentada de Os Lusíadas. O presente texto foi escrito como nota
introdutória para a edição das Obras Completas de Gerardo Mello Mourão,
que está sendo preparada.
Leia,
também nesta edição, o conto A Ponte, de
Gerardo Mello Mourão, o poema O Nome de Deus,
manuscrito inédito, cedido pelo próprio autor à revista Confraria, e, no
Phantascopia, fragmentos de A Invenção do mar e de O País dos Mourões.
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