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heloísa maranhão
castelo interior e moradas - moradas segundas
HELOÍSA MARANHÃO, autora quase esquecida, quase desconhecida,
conhecida apenas por aqueles que a conhecem. Dramaturga, poeta, romancista
e contista, apresentou peças no Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
publicou livros estranhos, foi tema de poema do Drummond e alvo de estudos
acadêmicos, como o do professor Alcmeno Bastos, da UFRJ. Seu nome consta
como verbete
em várias enciclopédias, tais como a
Bloommsbury Guide to Women's Literature e o Dicionário Bibliográfico de
Escritores Contemporâneos do Estado do Rio de Janeiro. É membro de várias
academias, institutos e pen clubs da vida e em 1994, recebeu a medalha
Tiradentes, concedida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro.
Apesar de tudo isso, ficou a
ignorância do público em geral sobre quem é Heloísa Maranhão, hoje com 74
anos. Este desconhecimento, no entanto, não diminui sua importância.
Ser formada em direito e ter estudado criminalística, a fez conceber a
literatura como um ato criminoso: arquitetar uma escrita é como
arquitetar um crime, nos confessou ela, foi por isso que passei a
escrever.
Suas obras transitam entre os reinos de passado e presente, evocando
personagens históricos e lendários como Lucrécia Bórgia, Teresa de Ávila,
Marguerite de Navarre, Chica da Silva e as fundindo com mulheres comuns de hoje em dia,
às vezes numa mesma pessoa. Seus livros abdicam de qualquer realismo e de
qualquer linearidade, temporal e local, e suas tramas passeiam sem nenhum
pudor da Idade Média européia para uma quadra de escola de samba no Rio de
Janeiro.
Seu livro mais importante, sem dúvida, é Castelo Interior e Moradas de
1974, seu
único livro de poesia, deslocado de tudo e de todos, sem companheiro no
cenário literário carioca, obra de linguagem radical e instigante que,
segundo Antonio Olinto, vai ao fundo das coisas e recupera a força
primitiva da língua. Foi um capítulo deste livro, a segunda das
sete moradas, que escolhemos para o Phantascopia deste
número.
Além do poema, publicamos também neste número um conto inédito da autora:
O padre Amaro.
Para saber mais sobre
Heloísa Maranhão
leia o memorial de Luiza Lobo.
moradas
segundas

DO
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a
s
e
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e
o
si sereia ser eu
eu hei tantas mãos
qual ille illa illud
quantas delas vão
acariciar
SI
SI
o teu coração
eu sou eu
üa centopéia
100 pés 100 formas
sem normas
às vezes eu sou
sou um polvo
e dos meus abraços de aço
fogem assustados os peixes
doido Dido rainha de Cartago
chegou Eneas no barco
eu arco iris
sou um mosaico
feito de pedaços
há fatias azuis
e há fatias verdes
rosa furta cor
mil alaranjados
negros quase roxos
lilases dourados
e há três pedaços
pedaços sem cor
meros negativos
de um outro retrato
ato o primeiro ato
Ulisses foge das sereias
burla urra polifemo
circe calíope
mares bravios mares
errante maldito
ó um dia quem sabe
encontrarás teu eu
eu penélope na teia
mares bravios mares
ondas capeladas
estrelas iluminadas
punhado de luzes
o belo cast
elo
os sete degraus
do ré mi fa sol Ia si
os graus de oração
mas que é das moradas?
leda
d
e a ou lea
sou lea idéia ali cléia
lia fui registrada
ada na carteira
no lago à luz da lua lea
a leda ou lia nadam nuas
da i
dai-me paz senhor
espelho há eu
mais belo que o meu?
interrogação
espelho há eu
mais belo que o meu?
interrogação
mais belo que o teu
mais belo que o meu
deus soma de eus
por aclamação
aléia também sou
corredor um passadiço
passagem entre dois muros
passeio rua carreira
de pobres árvores nuas
sem botão nem flor
do ré mi fa sol la si
árvores que não são árvores
mas sebes d'espinhos
bordados que formam
a maldita grade
a lea! és lea? Lea...
alea sorte risco
acaso maldito
mas não sou léa sou leda
do ré mi fa sol la si
l
e
d
a
do
la
r
dolar furado
leda leda
d
e a
le a
desesperar
ar
ar
r
e
100 ser nascido digo narciso
bem vaidosa sou eu poys
eu Dido rainha de Cartago
vivo mirando
eu vivo cortando
com o bisturi
LA na água do poço
a LAma do fundo
DO (S)l eu me parto
mil pedaços são de aço
os meus eus uns no leme
e no meio do barco
arco sou eu arco iris
ay sub eus super eus
na proa no mastro
no convés Ulisses
ouve o canto das sereias
ser
serei
s i
s i
ei um eu?
mistério é o ser
mistério é o morrer
umbela ela tão bela
belum bela é a guerra
cortado o cordão umbelical
na capela ela debaixo da umbela
florida sombrinha
odisseus o ódio de zeus
fragmentado eu
do eu
o mar de eus
eus mar
DO mar o eu
tarefa de u'a vida
ida
labor inté a morte
SOL so(L) leda só
sou de mil amores
amores sem fim
pó de arroz eu gosto
fitas coloridas
sorvete de uva
dourados peixinhos
nadando em aquários
DO presente desconfio
confio no futuro
de costas para o passado
DO
mas ali estão
atalie natan abner
avança a lembrança
da passada geração
cave canem já fui cão
e cavava o chão
fui morto um dia fui
DO morto a pedradas
patas rabo tudo
os dentes afiados
apodreceram no chão
hão corações os que matam
os que matam cães?
e tudo balança
desaba o dilúvio
noé um lugar
lugar na tua arca
ih mundo submundo
força escura crua
viver existir
ó dante vergílio
me acudam as fúrias
as fúrias fogem do inferno
o inverno cá fora
e tudo balança
desaba o dilúvio
noé um lugar
lugar na tua arca
o monte arará
fica onde Noé?
in (quieta) são
in
sana
não posso dormir
dormar a(h)mar mor (a)mor
que não me deixa dormir
dormar que me tolhe
o ar dor(mor) mor (a) mor
a dormar dormor
deus onde está ele?
ele o eu? meu eu...
desespero
de
se r
e o
per
dese o
e o
se r
inimigo ichó
rilha eco ilha digo
rilha os dentes ente
és impotente eu
creio em d(eus)
co'a límpida fé
daquela criança
ora ora eis a hora
declaro tudo oscila à minha roda
essas partículas brilhantes
um dedo de prosa rosa
dançando no ar zomba de mim
m(eu) corpo vazio
navega ego na cama
co'a cabeça pousada
pousada no travesseiro
e eu pensamento bóia
oi coitado cuidado
é nesse mar
ser
nada
nada de se suicidar
ledo um moço a moça leda
leda presa o guarda é ledo
ledo soldado da leda
leda presa prende ledo
ledo pena pena leda
leda perto ah perto o ledo
ledo pisca cisca leda
leda chora chora o ledo
ledo beija beija beija a leda
derrete-se a grade
leda foge foge a leda
do re mi fa sol la si
do estudo número hum
do tu
s o
hum
do udo
s o
do re mi fa sol Ia si
violante a viola
tange a dor DO dor
deus onde está ele?
e eu unde stá
e eu unde stá?
ode canção são
diminutivo de santo
o que a vida não marcou
co'o estigma do louco
o co
do re mi fa sol la si
DO RE
Ml FA
SOL LA
SI
FA
LA SI
D
E
DO R
S
O
S
socorro
corro
so
or o
or o
socorro
so o
so o
DO RE
Ml FA
SOL LA
SI
DO
R
Ml
O
DO
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DO
R
D
E
A
M
O
R
SOL
S
E
R
SO
ODISSEUS
SEU
EU
O EU
ODISSEUS
OD E
a canção
MARES
BRAVIOS
MARES
A
V
E
MARES
BRAVIOS
MARES
V O
E
voe ave
ave odisseus
MARES
BRAVIOS
MARES
AR
MAR
seu
eu
armar odisseus
MARES
BRAVIOS
MARES
E
O
AR
V O
RE
AR
desabrochar
prometeu a ira de zeus
chora prometeu
no cume do monte
ó ninfas do oceano
onde está meu eu?
castelo interior
moradas selvagens
fora de seu eixo
já se move a terra
cortadas suspensas
leis da natureza
alma voa pro céu
o corpo erguido do chão
domínio de espírito
derruba a matéria
e forma organismo
segundo aquel'outr'imagem

amor mor amor
desacontecer
ser só
estrela do céu
eu só
céu
sé catedral
r
e
DO
odisseus
eu
ode
mares bravios mares
eu árvore eu ave

deum te deum deus eu
aleluia
lu a
l ia
le a
a
le a
és lia? eco eco sou lua
SOL
ele
so
itaca odisseus
a canção meu eu LA SI
ite missa est SI
SOL movimento soo soo
no espaço a imensidão SI
deitada não mais
de costas no escuro
ritos sol rryo LA
evoé nas minhas veias
corre sangue rubro vinho
dionísio quem disse
que d(eu)s está morto?
eu canto há risos
m(EU) Cristo desce da cruz
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