Vamos! Agora que está só, escreva. Coragem. São duas da manhã e os bons dormem. Olhe pela janela. O que vê? Não, não são tiros. São lágrimas de querubins que cintilam junto com estampidos. O que ouve? Buzinas aceleradas? Carros ensandecidos? O que é isso? São lamentos dos enlouquecidos. O que percebe nos odores que lhe penetram o nariz? Corpos apodrecidos? Vômito das mais transadas dores? Nada disso, nada disso; trata-se do hálito daqueles que baforam orações na busca de salvação. E essa brisa que alisa a sua face? Não é o tapa, meu Filho, é a minha mão que o acaricia.
MARCO AURÉLIO CREMASCO nasceu em Guaraci (PR) e reside em Campinas (SP). Professor de Engenharia Química (Unicamp), é autor de livros técnicos, poemas, contos, crônicas e romances. Foi agraciado com o Prêmio Sesc de Literatura e indicado em duas oportunidades ao Prêmio Jabuti. Publicou pela Confraria do Vento o romance histórico Guayrá.