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o novelo de odradek | victor paes
onde você esconde
sua humanidade?
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página 2
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Então, o que causa a sensação de vazio perante uma obra de arte? São
algumas as causas. Ouso dizer que esse é o único objeto do estudo da arte.
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Todo espanto é humano. Espantar-se com, por exemplo, uma uva é espantar-se
com o espantar-se com a uva. Quem se espanta com uma uva? Talvez o
primeiro espanto pudesse ser o de Ivo, quando vê pela primeira vez, nas
cartilhas de alfabetização, a uva. Pois ele vê a uva (e não apenas olha,
mas vê, já que aceita mais uma letra assim), mas não passa disso,
aliterando já em sua base a inteligência da criança que o lê. O importante
aí é que se alguém vai ser culpado por ela não se interessar depois por
possíveis parreiras, esse alguém não vai ser o primeiro professor, que
está no cérebro dela agregado a um conjunto de lembranças olfativas
poderosas... Quantas vezes se ouviu que uma criança de cinco anos
assassinou sua professora? Por que será que as tesouras para crianças não
têm ponta?
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Há dois tipos de espanto: o de quem pensa que leva o que vê a sério,
espantando-se com a boca bastante aberta; e o de quem sabe que seu espanto
era o movimento final e, portanto, único daquele processo de espanto. Na
verdade, ambos são o movimento final e único do processo de espanto, mas o
que faz a diferença entre eles é exatamente que quem pensa que leva o que
vê a sério não sabe dessa diferença.
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É muito fácil levar o que se vê a sério. Basta pensar que isso é
facilmente possível. E aí, tudo é possível. Todos os nossos sonhos se
realizarão. Principalmente em relação à arte. Não há nada mais palpável
que uma obra de arte. Ela é um cristal dentro do qual enfiaram nossos
sonhos. Um paradoxo de se mostrar, mas não quebrar. De se ter seguro em um
cofre, mas dizer que não tem preço. A arte é o sonho tátil da democracia.
Quando vem a nós, podemos até ir dormir. Quando vamos a ela, podemos até
dobrar uma esquina. O fato é que está em todos os lugares, em vários
níveis de alcance e de esquiva. E assim, passa a ter uma
hiper-responsabilidade, que, ao mesmo tempo, ninguém pensa levar a sério.
Paradoxos só podem criar paradoxos. Arte só pode criar arte? Sonho só pode
criar sonho? O que é difícil de carregar no pescoço é que se tudo acaba
hoje tendo o mesmo nome, fomos nós que o colocamos.
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E o que isso tudo tem a ver com humanidade? O mais importante aqui é ter
pensado que o problema está ou não está na palavra. A palavra
“humanidade” não daria uma página, quanto mais duas.
VICTOR PAES é
poeta, ator e professor. Foi premiado pelo Prêmio Jovem Artista,
da Rioarte, com o texto teatral Os Cálices do Deus, que depois foi
apresentado no Projeto Nova Dramaturgia. Foi publicado pela Editora
Record, na coletânea do Prêmio Nossa Gente, Nossas Letras, da Oldemburg.
Integra e faz a direção cênica do grupo Arranjos para
Assobio. Publica alguns de seus trabalhos em seu blog:
http://victorpaes.blogspot.com
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