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mathieu bénézet


5 dedos azulados

 

MATHIEU BÉNÉZET, nascido em Perpignan, em 1946, vive e trabalha em Paris, onde dirige o Atelier de Création Radiophonique de France Culture já há 15 anos. É autor de numerosas obras, entre poemas, romances, ensaios e peças de teatro. Na poesia entrou ainda muito jovem, com uma singularidade e destreza raras, e, pouco a pouco, foi se afirmando como um dos autores mais originais de sua geração. Esta coletânea de fragmentos, intitulada 5 dedos azuladas, foi retirada de seu livro Détails, apostilles, que tenta dar conta de forma precisa dos estados sucessivos ou simultâneos de uma consciência, no fio de um tempo interrompido. A obra de quase 300 páginas, mistura descrições cotidianas e reflexões críticas, anotações íntimas e fragmentos de versos livres, tudo para criar uma espécie de diário interior, um mosaico mental onde o visado é a ultrapassagem, a dissolução de "eu" na trama tangível da linguagem, para mensurar as margens interditas onde a poesia deve indefinidamente tomar e perder dimensões. A tradução, feita por Márcio-André, é a primeira aparição do autor em português.

 

 

 

casa-bloco

 

                         pescador sobre o Neva

                         o verde e branco

                         casas

                         bloco-cor céu casas vermelho

                         e ocre no reflexo

poente                 poente e a flor

                         anônima (1 cravo?) sobre a estátua

                         Pouchkine no parque au

                         longo dos canais

                         mas por dentro água mais clara

                         água cinza e

                         branca — e os buquês

                         folhas mortas nas mãos

                         crianças nas alamedas, profundeza

solidão                 porque escrever sobre a estátua de Lorinzetto

                         à solidão: 1 criança morta cujo corpo

                         nu repousa sobre

                         1 boto enroscado em seu cadáver

                         imaculado, & retire a flor anônima

                         casas, canais, ó bloco-cor

 

                         tudo evoca uma criança

                         nua

                         enroscada em seu cadáver

 

 

*

 

 

moscou                           voz sob a chuva

                                      glissadas em torrente

                                      a

milhas                       a criança de uma morta

                                      acidente no vôo de uma borboleta

                                      na extremidade de um verso

 

                         repetindo: na extremidade, um verso

 

 

 

 

simy                      

ele diz: ainda que jogada sobre o visível a Luz nunca abandona a Noite, se apresenta nela mesma e se volta para 1 em-si em aniquilação, arqueja, pois é presa das ruínas
desconhecida dela mesma...
 

 

 

malakhova

 

alma das mãos que tens / tu viveu dálias/ enlaçadas
na
estranheza / humana/ claras matas além dos
vidros/ ferro-
lhadas aléias / floridas o retorno
 

 

*

  

milhas


tal gesto oblíquo
& a paisagem me atinge
eu largado ali &
me ergo pesando
como o mundo!
 

 

*

  

 

O poema por escrever     nunca
escrito      recomeçado
mas nunca     prometido    é jogado
tão distraidamente     vivendo
— dirás que foi verdadeiro?
 

 

 

villeneuve de rivière

 

, se eu quero a Criança, eu devo perseguir, não a Criança da escritura nem a Criança-eu, a Criança                 no jardim da Prefeitura na poeira eu olho seus braços e seus joelhos, imaginando o alfabeto futuro dos ferimentos sucessivos sobre seu corpo; qual palavra será assim engendrada? 1 desenho invisivelmente no interior que por vezes transparece no sorriso

 

 

*

  

 

o que habita nos flancos dos jarros: o desenho de braços & dedos, traços ocre e amarelo pálido: é ainda uma habitação?

akrotiri

... aqui, o infinito estava presente, ele foi o presente e acompanhava uma exatidão proporcional ao detalhe + banal à dimensão de 1 homem, face ao infinito da terra e dos deuses...

 

 

*

  

 

a Luz vitra as cores [do verbo vitrar]

  

 

*

  

 

no metrô: cabeça de um jovem que repousa sobre o ombro de seu camarada, ou cabeça de uma jovem que igualmente repousa sobre o ombro de sua amiga: ternura de corpos expostos: eles se mostram livremente,

moscou    & os buquês de dálias nas mãos;

 

 

 

évry

: e uma mão, a minha treme, ainda na tua memória, teu ser na morte — treme: eu te suplico, tu tão longe, ESQUEÇA Ó LOISE — que me sinto mal neste hotel — internacional — subúrbio de Paris — A TRAÇAR TEU NOMEeu te suplico: viva!

 

 

 

 

 

algo negra Creta chora

desequilibrada

creta

eram solavancos de luz

corpos filosóficos

 

no olhar do Aberto, flores

 

aliterando o coração, uma

oposição de azul-Klein, traços

 

de éter, nadando —

 

 

 

 

            sinais de consolação

                          no prolongamento da mão

            5 dedos azulados

                          postos em estado de montanhas

 aspet

            da pintura

                          na de numerosas letras catorze

 

            anos mais tarde foi trocada

            sinais, na catástrofe,

                                                      cegos

 

 

 

*

  

 

                                                                                ;então o corpo não é mais distante do que vejo; a boca da mão pode tocar

 

 

*

  

 

... 

 

                         , o infinito, murmurou ele ele cuja sombra nos cobria de ocre e de amarelo pálido, Kavafis disse essas palavras



                                    , e ele
repetia em um sopro perfumado
aqui, a infância do infinito
brilha ainda:

...

 

 

na luz de naxos

 

 

 

Na Luz de Naxos:

 

 

 

: cravos sobre o terraço perfumado:

 

 

 

Tu te lembras, diz O

 

 

 

: uma mão do homem aflora a gola de mármore da estátua

 

 

 

: laranjas nas laranjeiras sobre as calçadas de Atenas

 

 

*

  

 

enormes rosas de interior oculto
mesa humana
                  eu vos espero
unido pela terra e pelo céu

2 braços são o amparo
para a oferenda        os ventiladores murmuram
Oceano Oceano

                     silhuetas açafrão
na imprecisão das coisas

                                  uma meditação
perfume secreto e logo invisível
a todo instante testemunha de 1 passagem
do homem

 

 

* 

 

 

assim tudo está disposto contra o céu: muralhas & palmeiras:

 

 

* 

 

 

rua Didot


Traços holandeses na tua voz
A mais ligeira memória emerge
aflora no último quadro
De Frans Hals
                        a incerteza
No rosto acidental de manchas
De um corpo que não é habitado
A certeza do sepultamento
De todo um detalhe
Espera na semelhança
Visível
               qualquer coisa do gesto
Subterrâneo
               se afasta

(No último quadro todo o detalhe
aflora)

               luz sépia 3 vezes
traços holandeses emergem
no último quadro
 

 

 

MÁRCIO-ANDRÉ (tradutor) é poeta, contista e músico, autor dos livros Movimento Perpétuo e Chialteras e coordenador do projeto Arranjos para Assobio, de texturas poéticas e realidades experimentais (http://arranjos.confrariadovento.com). Trabalha na tradução de poesia de Arnold Flemming, Serge Pey, Ghérasim Luca e Mathieu Bénézet e edita a revista literária Confraria. Sua página é www.marcioandre.com

                       


 

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