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o novelo de odradek | victor paes
a arte de
distrair-se
Conversa distraída:
–
O título, pois bem: pois se tudo que é bem feito for chamado de arte,
então catar piolhos é o que salva uma cabeça de seu próprio silêncio de
membro...
–
Bonito... Mas então o que você diz é que catar piolhos não é uma
distração?
–
É óbvio que é.
– Já sei... para macacos...
– Não. Para qualquer um.
– Então qual é a questão?
– A questão é que catar piolhos é uma técnica de alívios... Arte mesmo é
cantar pro almoço do piolho...
– O compositor disse: “teu girassol tem de fora o escondido do engenho de
dentro da flor”. É esse tipo de engenho o da arte. O de uma atenção
deslocada, que seja chamada por aquilo que não tem a mínima
significância... que não chamaria a atenção de uma abelha...
– Mas não há bicho mais atento que uma abelha.
– Agora você está começando a ouvir o que estou dizendo...
– Tudo bem, mas mesmo assim não gostei do trocadilho...
– A lógica da arte é tão deslocada, que fica lá depois da esquina...
– Mas parece, com isso, que fica tão longe... A arte que falta não é a da
cabeceira?
– Mas meu amigo, não me decepcione... até pra comprar pão se vai à
esquina...
– Ou seja, o grande problema são as poltronas...
– São. Mas não aquela da sua sala... Aliás, você não tinha prometido me
dar aquela poltrona?
– Mas não é nisso que se transformou a arte, hoje em dia? Em um grande
mercado de poltronas?
– Ei, não muda de assunto!
– O que eu acho é que tem muita coisa pra se distrair por aí... Ninguém
mais fica trancado em casa lendo livros...
– O problema não está em ler, está em reler...
– Se todas as músicas que tocam no rádio do carro me interessassem, a que
horas a gente conversaria?
– Debaixo do caminhão, no meio das ferragens...
VICTOR PAES é
escritor, ator e professor. Foi premiado pelo Prêmio Jovem Artista,
da Rioarte, com o texto teatral Os Cálices do Deus, que depois foi
apresentado no Projeto Nova Dramaturgia. Foi publicado pela Editora
Record, na coletânea do Prêmio Nossa Gente, Nossas Letras, da Oldemburg.
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