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mário bortolotto


o caminho mais curto pro inferno

 

 

 

Ah, os dramaturgos
com seus textos suplicantes
que são a extensão doentia de seu criador.
Tem um que sempre participa de concursos de dramaturgia
dia desses ganhou uma menção honrosa
e começou a acreditar que agora sim, vai chegar lá.
Ele me disse exatamente assim:
Marião, agora é a minha vez!!
Confesso que fiquei assustado com tanta determinação.
Tem outro que trabalha em jornal e está pensando em escrever um romance.
Eu dou a mó força.
Tem outro que só está dando um tempo na dramaturgia,

porque sabe que o seu negócio mesmo é cinema.
Tem outro que escreve novela de tv.
E tem aquele que quer escrever novela de tv.
Tem um deles que se acha especial porque escreve minissérie.
Tem aquele que namora a atriz que vai produzir seu texto.
E tem um outro que namora o ator.
Tem um outro que comeu a produtora.
O problema é que ele comeu mal
e a mulher não quis mais saber do texto dele.
Tem outro que só escreve comédias
porque disseram pra ele que é mais comercial.
Tem o dramaturgo maldito
e o darling da mídia.
E tem aquele de grandes aspirações que nunca consegue terminar seu texto.
Tem aquele que está há três anos escrevendo sua grande peça
e tem aquele que só conseguiu escrever uma peça na vida
e vive falando sobre ela, e acha todos os atores burros
por não terem ainda encenado o seu texto.
Tem o que enlouqueceu
e o que ficou parado em alguma curva dos anos 60.
Tem o dramaturgo da moda
e aquele que está sempre por fora.
Tem o muito encenado
e o eterno gênio inédito.
Tem aquele que não suporta outros dramaturgos.
O que acha tudo uma bosta.
E tem aquele que vai a todas as estréias de seus companheiros.
Tem um que faz um bico de ator em comerciais
pra pagar a produção do seu texto de vanguarda.
E tem outro que tirou foto pruma revista gay segundo ele pelas mesmas razões.
Tem um que diz que é performer.
E outro que vive de ministrar workshops de dramaturgia.
Tem outro que é jurado de concursos de dramaturgia.
E tem ainda aquele que escreve peças pra teatro empresa
mas que garante que é por pouco tempo.
Tem o dramaturgo publicitário cheio de tiradas geniais.
E tem o dramaturgo crítico de teatro.
E tem aquele que almoça sempre com o crítico
e diz que tem prazer em almoçar com o crítico.
Tem aquele que implora pro crítico vir assistir a sua peça
e aquele que proíbe a entrada do crítico.
Tem um que não desgruda do telefone
sempre a um passo de uma grande montagem.
E tem o que desistiu.
E tem os que continuam insistindo.
Tem o velho dramaturgo que acha que a dramaturgia morreu
e o novo dramaturgo que quer matar a velha dramaturgia.
Pobres inocentes.
Vocês não fazem idéia da encrenca em que se meteram!

 

 

MARIO BORTOLOTTO é ator, diretor, escritor e dramaturgo. Fundou o grupo Cemitério de Automóveis, que está completando 23 anos de atividade e sucesso. Escreveu cerca de 50 textos de teatro, publicados de forma independente, já em quatro volumes. Dentre esses textos estão Medusa de Rayban e Deve ser do caralho o carnaval em Bonifácio. Além de dramaturgia, publicou os livros Bagana na chuva e Mamãe não voltou do supermercado, entre outros. Ganhou o Prêmio Shell de melhor autor, em 2000, pelo texto Nossa vida não vale um Chevrolet. Ganhou o Prêmio APCA pelo conjunto da obra. É também compositor e canta na banda de rock Tempo Instável e no trio Saco de Ratos Blues, tendo lançado o cd Cachorros gostam de Bourbon. Tem um blog na internet: www.atirenodramaturgo.zip.net.

 


 

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