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roberto alvim


diário de guerra
 

 

 

Alguns livros altamente recomendáveis a quem não compactue da idiotia coletiva contemporânea: ONDA DE CRIMES, de James Ellroy, conjunto de histórias do maior autor noir americano, incluindo aquela em que remói o assassinato de sua própria mãe, crime que permaneceu não-resolvido e que deu voz de escritor a Ellroy; GLAMORAMA, clássico instantâneo do grande Bret Easton Ellis: modelos, champagne e corpos humanos estraçalhados no Cafe de Flore; 1933 FOI UM ANO RUIM, do pai-de-todos John Fante – humano, humano, humano...; A GORDA DO TIKI BAR, do Dalton Trevisan, safado e divertido, uma hora de masturbação satisfatória ou seu dinheiro de volta; e TERRORISTAS DO MILÊNIO, do gênio J. G. Ballard, abrindo mais um bolsão de imaginação onde não prevíamos ser possível. É isso aí, amiguinhos: TV e cinema fedem; literatura ainda é a maior diversão...

 

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Esqueci de mencionar JOANA A CONTRAGOSTO, do Marcelo Mirisola, certamente um dos maiores escritores brasileiros em atividade, ainda que pouco conhecido (e poderia ser diferente?). O cara tem cinco livros publicados e escreve como um psicopata mata: obsessivo, meticuloso, ensandecido. O sangue que encharca as páginas é dele e é nosso, também.

 

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E permitam-me ainda me referir ao prazer de uma descoberta sensacional: a da literatura do Nilo Oliveira. Caiu-me nas mãos a obra-prima PORNOGRAFIA PESSOAL (DE UM ILUSIONISTA FRACASSADO), conjunto de contos do sujeito. Indescritível – uma porrada que deu medo e que me fez sonhar com antigos demônios que eu precisava rever... O livro do Nilo Oliveira conjurou os ditos pra mim e não foi uma experiência agradável. Mas o caso é que eu seria um ser humano mais pobre se não tivesse lido o seu PORNOGRAFIA PESSOAL.

 

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Por último na lista de presentes, um disco: 4, do Los Hermanos. Se você não está familiarizado com a música do grupo provavelmente vai detestar o som na primeira audição. Mas, sem saber muito bem porque, vai querer ouvir uma segunda vez, e aí... Marcelo Camelo é o melhor compositor jovem do Brasil; Rodrigo Amarante também é impressionante, e a banda está anos-luz à frente destas merdas que ouvimos nas FMs: Skank, JQuest, etc, etc. Altíssimo nível, a música e a poesia. Um alento, uma alegria, um eco – nossas almas torturadas pela imbecilidade do senso comum agradecem.

 

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Vi hoje na TV a cabo MODIGLIANI, filme sobre o pintor com o fraco Andy Garcia no papel principal. Interessante pelo personagem e sua história de vida: Amadeu Modigliani (por cuja obra eu particularmente nutro um forte amor sensorial, imenso apreço pelo prazer que me proporciona a observação de seus quadros – alguns deles residindo em São Paulo, no Masp), de ascendência italiana, viveu em Paris no mesmo período de Renoir (que é apresentado no filme como um Deus meio louco, alheio a tudo que não seja pintura, passeando perdido na Terra...). Teve uma série de episódios de rivalidade com Picasso – brigas públicas, ofensas mútuas, sempre disputando quem tinha o pau maior. Claro que o de Picasso era maior, e o caráter amoral e perverso do espanhol subjuga e humilha em diversas ocasiões o frágil e alucinado Modigliani. O filme reproduz um diálogo entre eles que realmente ocorreu:

PP- Sabe qual é a diferença entre Picasso e Modigliani?


AM- (Receoso) Não...


PP- (Sorrindo zombeteiramente) O sucesso!

De certo modo, o que Picasso fazia era provocar até a loucura pintores que ele considerava potencialmente bons, para que, movidos pelo ódio a ele, pudessem ir mais longe em suas habilidades. A raiva, sabia Picasso, sempre foi o motor mais poderoso a impulsionar o gênio humano...

 

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Mas o mais interessante no filme é observar como Modigliani e seus companheiros, os grandes (e razoavelmente obscuros) Soutine e Utrillo, entregavam-se a suas visões de mundo e delas não abriam mão nem sob tortura (morrem todos loucos, internados em manicômios, alcoólatras, drogados, marginais, mas fiéis a si mesmos). Modigliani via as pessoas de um jeito muito específico e as pintava dessa maneira; poderia pintá-las de um modo belamente tradicional, tinha habilidade para tal, mas não o fazia, não podia fazê-lo... Preferia passar fome, ficar doente, morrer, a trair sua arte. Não era um discurso, era sua vida inteira. Por quê? O que o movia, que valores? Hoje rotulamos essa atitude como romântica e nos abrigamos em nossos aquários de cinismo e pragmatismo, nos localizando saudavelmente operacionais em nosso fantástico mundo de serviços... Que força movia Modigliani, Soutine, Utrillo, Renoir? E por que essa loucura não faz parte de nossas vidas? Por quê?

 

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A obra de arte é sempre comovente e desagradável. Ao mesmo tempo.
 

 

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Mulher. Coisa rara de acontecer. E, quando acontece, coisa rara de dar certo. Um bicho escorregadio, aparelhado de silêncios imprevisíveis e pequenos objetos íntimos esquecidos de propósito pela casa. Tudo premeditado – o perfume na fronha, os brincos sobre o criado-mudo – pra tornar ainda mais pesada a solidão que deixam no seu rastro depois que batem a porta atrás de si, pra nunca mais...

Nilo Oliveira, Carta de amor (pra acabar de vez com a tua admiração)
 

 

 

Roberto Alvim, 30? anos, é dramaturgo, diretor, ator e professor de História do Teatro na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). Autor de 11 peças, seus últimos trabalhos no Rio foram: PELECARNESANGUEOSSOS, Todas as Paisagens Possíveis, Qualquer Espécie de Salvação, Às Vezes É Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho, Vagina Dentata e Mundo Pânico. Atualmente exerce a função de Diretor Artístico do Teatro Ziembinski. Ele nega saber de qualquer esquema rolando na editora Confraria do Vento.

 


 

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