
andré svevo
o amor entre as secreções
Casamento
ao casal de amigos Lúcio e Fernanda
Comer a mulher alheia é
sacramentar seu casamento
o consentimento é um inibidor razoável
mas logo se descobre o amor entre as secreções
uma ajuda mútua nos pequenos detalhes de dar prazer
Que todos os maridos fossem solidários e curiosos
as esposas (e os amigos) seriam mais felizes
Presença
Meu corpo se desdenta a cada meia hora
Minha presença na casa me incomoda
O quarto não me entende para além da janela
O quarto só vai até o sofá da sala ver TV
Sofro do cóccix
à parte isso o chão do quarto só engoliu meus pés
Reflexão
se o gato tivesse a orelha para trás seria ainda mais aerodinâmico
Argamassa
Ontem havia um prédio aqui ao lado
com um deus sepultado na sua argamassa negra
quando o mundo entendeu sua vocação para mundo
meu gato entendeu sua vocação para enfeite
queria ser eu enfeite gato mundo
só Jesus compreende o demônio no joanete das pessoas
Todo dia um prédio surge até as alturas
e se confunde na paisagem
já velho
Família
Ele leiloou a bunda da esposa
e fez que a deflorassem na frente dos perdedores
nunca esteve tão apaixonado
pela mãe de seus filhos
Projeto
Ainda que não soubéssemos
você já estava lá no projeto da casa
Seus ossos
nos baldrames de alvenaria
As glândulas do seio espremidas
e o amniótico liquefazendo laje
Você estava lá desde o início
e um dia mãe um dia velha
um dia morta
Metafísica a dois
ela encosta a cabeça na poltrona dentada
diz: vida
eu escrevo: sorte
ela ri sob o abajur
o melhor ângulo do seu sorriso
e o propano esmaltado se derrama pelo tapete na mesma intensidade da carne
pergunta:
por que os dentes não se decompõem?
eu respondo:
será que estou aqui ou num futuro lembrando de agora?
Cidade
Na minha cidade existem piratas agarrados nas nuvens
que descem de trem e trabalham como palhaços nas feiras
por uma grana extra
Bairros
Pequenos cantos tristes entre plantas e janelas
Amor
sei da maciez da morte em sua boceta
o ranger de couro e louça hidratado por sucção
soco sua vagina de vinil
enquanto lambemos a sua melhor amiga
e nos entredizemos: te amo
À uma passante
Os passos encorpavam à luz do sol
a destreza de seus gestos
As rugas ventríloquas:
a dureza ganhava seu rosto enquanto envelhecia
A justeza da bunda parecia querer rasgar a calça
A transparência da blusa pensada à precisão
A arte da tortura
Três vezes ao dia transfiro minhas olheiras
para a mulher que amo
Torturar alguém que o ama é simples
difícil é fazê-lo consciente
Trepar com outra
e obrigá-la a assistir é um bom começo
ANDRÉ SVEVO é
mestrando em Filosofia pela Universidade de São Paulo, com graduações em
Letras, Matemática e Jornalismo, além de muitas outras incompletas. É
professor da rede pública estadual. Como poeta faz leituras de sua obra em
saraus e festivais pela cidade de Porto Alegre, nos quais, quase sempre, é
vaiado. Insiste em dizer que se deitou com mais de mil
mulheres.
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