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fabrício carpinejar


minha filha sem mim

 

 



 

Não sei quando a criança pára
de enxergar anjos ou de cumprimentá-los.
Se acontece por uma obediência natural

ao esquecimento, ou só depois?
Para não sofrer com os acidentes do invisível,
já que é demasiado sofrer

com o que aprende no visível.
Essa é uma resposta que te devo.
Ficamos juntos alguns dias do mês,

as férias, e fico reparando em teus gestos
para descobrir algo do meu temperamento no teu.
Eu não te eduquei,

 

 

***

 


não te corrigi em seqüência,
sou o pai que vai voltar tarde.
Tudo o que tento ensinar não tem uma segunda

e uma terça-feira para permanecer.
Esquecemos de continuar, de completar
a frase, o assunto e a partitura.

Nossa convivência é feita de inícios,
com a memória diária de que estou ali
e tu estás ali, como duas crianças

regendo uma tempestade.
Te aproximas de mim
a segurar um objeto antigo.
 


 

 

***

 


 

Um objeto antigo que recorda
a casa que não teve. Não descobri
a forma ideal de convivência,

muito menos o que gritar
para chamar tua atenção.
O que desperta tua confiança:

A ordem ou o sussurro?
O riso contido ou desavergonhado?
O choro de frente ou murmúrio abafado?

Na hora em que me beijas,
viras o rosto lentamente,
a escapar da barba.
 


 

 

***

 


 

Herdaste até o medo da barba de tua mãe.
Herdaste os medos dela com lealdade.
Não herdaste meu medo

de não ser compreendido.
Não posso me defender
dos ataques dela,

do que ela possa dizer de mim.
Porque defender é atacar.
Atacar é destruir a casa

em que moras, a vida que tens,
o mundo que desde sempre
reverencias como teu e indivisível.
 

 

FABRÍCIO CARPINEJAR, poeta gaúcho, é autor de As Solas do Sol, Um Terno de Pássaros ao Sul, Terceira Sede, Biografia de uma Árvore, Caixa de Sapatos, Cinco Marias e Como no céu/Livro de Visitas. Os poemas aqui publicados fazem parte de seu livro inédito Meu Filho, Minha Filha.


 

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