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ronaldo roque


ciprofloraxim e cocaína

 

 

 

Teve que se render aos antibióticos, porque a prostatite não se curou sozinha como ele esperara. Por isso ele anda tão fraco. Ela é velha, bem mais velha, e só liga de madrugada, quando já está suficientemente bêbada ou drogada. O telefone amplifica seus problemas de dicção, mas nunca houve dois que se entendessem tão bem: “Adoro sua rouquidão”, “Anos de cigarro e álcool, meu querido”.


Se a boca escassear palavras, o que poderá o corpo? Segredos transbordam nos intervalos de suas falas. Ele odeia a mãe o suficiente para requerer uma vingança; Ela teme a morte o suficiente para desejar uma ilusão. É o que basta para selarem o pacto: “Eu te amo”, “Também te amo, querido”.


Não mais pelo telefone, odores e hormônios dão à farsa seu substrato necessário de realidade. O corpo dele é um narcótico prescrito para adiar a morte; o corpo dela é o templo onde Ele consuma sua vingança. Quando a boca escassear palavras, poderá o corpo? Ele ainda tem prostatite, Ela já não tem orgasmo. Num amor sem palavras, a realidade pode se recusar a seguir um script: “Chegamos, querido?”, “Ainda não. Um pouco menos de poesia na tua droga, um pouco mais do meu sêmen na tua boca.”



 

RONALDO BRITO ROQUE é graduando em Letras pela Universidade Federal Fluminense, mas diz nunca ter aprendido nada lá. Seu maior defeito, segundo amigos, é acreditar na verdade - o que, segundo ele próprio, é sua maior qualidade. Costuma publicar seus contos em blogs. O presente conto, no entanto, é publicado pela primeira vez aqui.

 


 

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