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rodrigo garcia lopes
em busca da esfinge Leminski (resenha)
Nos últimos tempos, passados quase 16 anos de sua morte, a obra de Paulo
Leminski vem sendo cada vez mais estudada, como provam lançamentos como
Aço em flor - Alguma Poesia de Paulo Leminski, de Fabrício Marques, Entre
Percurso e Vanguarda - a Poesia de Paulo Leminski (de Manoel Ricardo de
Lima), Catatau: as Meditações da Incerteza (de Rômulo Valle Salvino), e
Leminski, Guerreiro da Linguagem, de Solange Rebuzzi, para citarmos
alguns. Isso é um sintoma ótimo e, ainda mais em se tratando de autor
recentíssimo, algo meio raro no meio editorial brasileiro (exceções são
Ana Cristina César e Torquato Neto). Sinal de que o interesse por sua
obra, uma das mais vertiginosas da literatura brasileira contemporânea,
está cada vez mais vivo.
Leminski também tem sido alvo de teses universitárias, discos, peças
teatrais, uma biografia, eventos e até uma pedreira. Mas a grande pedra no
caminho para a maior e melhor recepção da obra de Leminski, principalmente
pelos novos leitores e formadores, continua sendo a necessidade urgente de
reeditar seus livros (poesia, biografias, romances, ensaios, traduções).
De minha parte, queria ver os primeiros livros de poesia reeditados em
forma fac-similar, antes da maçaroca editorial do best-seller Caprichos &
Relaxos. Queria ver as traduções de Fante, Petrônio, Ferlinghetti e suas
biografias circulando novamente por aí. Por que não uma coletânea de todos
os seus ensaios críticos e crônicas, hoje dispersos em 3 livros, e muitos
deles ainda inéditos ou publicado em pequenos veículos ou jornais? Ou uma
reedição urgente e crítica de Agora é Que São Elas?
A outra pedreira está localizada no campo da recepção crítica. Se nos
últimos anos a "academídia" brasileira buscava um escritor com a cara de
nossa época, (paradoxal, múltipla, paródica e crítica), para chutar e
depois soprar, a "besta dos pinheirais" caiu como uma luva. Ora sua obra é
desfigurada, tratada como mero apêndice do concretismo, ora Leminski é
atacado como uma espécie de Duda Mendonça do haikai. Outras teses reduzem
Leminski a um frasista polêmico, autor de meia dúzia de versinhos. Em
outras, Leminski é mitificado, na linha Jim Morrison-James Dean, quando
não é tido como último bastião de uma poética de resistência,
não-acadêmica, dionisíaca. Muita calma nessa hora.
A Linha que nunca Termina, Pensando Paulo Leminski, organizado por Fabiano
Calixto e André Dick, reúne 48 colaborações, um time de 43 autores, e
engrossa o caldo na tentativa de contribuir para a discussão de sua obra.
O livro (um volumão de 429 páginas) é bem variado e traz ensaios,
poemas-homenagens, depoimentos, fotos, cartas etc. Desde o início os
organizadores definem a coletânea como um "livro-homenagem" que almeja dar
conta das várias atividades de Leminski, seja como músico, tradutor,
ensaísta, romancista, etc. O livro, portanto, não se apresenta como uma
coleção de ensaios estritamente acadêmicos, embora prometam ao leitor
"lançar uma nova visão crítica sobre a trajetória artística de Leminski"
(p.11). Além de textos dos próprios organizadores, A Linha Que Nunca
Termina traz, cada qual com seu aporte, colaborações importantes de
autores que têm proximidade, de um jeito ou de outro, com sua obra, como
Caros Ávila, Cláudio Daniel, Haroldo de Campos, Frederico Barbosa,
Reynaldo Damazio, Maria Esther Maciel, Antonio Risério, Arnaldo Antunes e
o uruguaio Eduardo Milán.
Com um pouco mais de boa-vontade crítica e de imersão no livro, em A Linha
o leitor vai se deparar com bons ensaios e depoimentos tocantes que
apontam novas vias para pensar sua obra e experiência neste planeta.
Manoel Ricardo de Lima, por exemplo, fecha o foco nas biografias
brilhantes que Leminski escreveu (Cruz e Souza, Bashô, Trotski, Jesus) e
Reynaldo Damazio aborda o Leminski tradutor. Ricardo Aleixo e Toninho Vaz
se debruçam sobre seu lado compositor. Solange Rebuzzi, ao abordar o
Leminski escritor de cartas ("epistoleiro"), enxerga que "[o] espaço de
escrita, nesta troca epistolar, parece ser de muita confiança e funcionar
como uma espécie de oficina, onde se exercita um sujeito e sua obra" (p.
349). Interessante também observar, como faz Alessandra Squina Santos, as
sutilezas entre as várias traduções para alguns poemas de Leminski feitas
por poetas e tradutores norte-americanos, mostrando como cada um lutou
para captar o inconfundível dizer do poeta, entre o coloquial e o erudito.
Enquanto Maria Ester Maciel aborda o caráter híbrido da produção textual
leminskiana, o ensaio de Delmo Montenegro talvez seja o mais provocante,
pois aponta os "erros grosseiros" históricos que teriam sido cometidos
pelo autor de Catatau ao historicizar sua obra. Por isso, não só critica
as furadas do mestre como refuta a tentativa de alguns críticos de
catalogar Catatau como romance histórico. Interessante exercício faz
Ricardo Silvestrin, ao tentar aplicar o esquema das 31 funções do conto
maravilhoso (de Vladimir Propp, usado por conforme ele mesmo como
leitmotiv do livro) na própria estrutura de Agora é Que São Elas.
Para quem está familiarizado com a discussão da obra de Leminski, muitos
ensaios repisam temas e aproximações que já se tornaram lugares-comuns:
nada de novo ficarmos sabendo sobre sua relação com a cultura oriental e o
haikai, por exemplo, ou com o concretismo, que já não tivesse sido dito e
redito. Se o livro não alcança altos níveis de novos insights sobre a obra
leminskiana, também não deve ser desconsiderado. É uma contribuição
importante, pois tem toda uma geração aí que não conhece Leminski.
O fato é que, esculhambada por uns e demasiadamente mitificada por outros,
Leminski segue como uma espécie de esfinge autoral que, a todo tempo,
inibe e estimula as tentativas de decifrá-la. Talvez porque sua presença
ainda paire, invariavelmente, em papos literários, debates, polêmicas,
eventos. É uma esfinge muito próxima à experiência recente e atual da
poesia e literatura brasileiras. E tem o ônus de ter sido (num país que
ainda cultiva muito da visão do poeta como um hermético numa torre de
marfim, inacessível) um poeta famoso e lido ainda em vida, coisa rara
neste país onde segue o lema (sem trocadilho) de que "poeta bom é poeta
morto". O fato é que mesmo post-mortem Leminski e seu legado incomodam
muita gente.
Parece incrível, e insisto em dizer isso, que, ao morrer, Leminski tivesse
apenas 44 anos. Isso pelo tamanho, densidade e qualidade de sua obra, que
a coloca entre as mais importantes da literatura brasileira.
Infelizmente, Leminski não está mais aqui para se defender nem dos elogios
nem das críticas (e olha que o cara era faixa preta em judô).
RODRIGO GARCIA LOPES
é escritor, tradutor e editor da revista de literatura e arte Coyote.
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