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roberto alvim


diário de guerra
 

 

 

A morte é combustível no tanque.
Charles Bukowski
 


Qual é a função social do Teatro hoje? Qual o seu papel dentro da nossa estrutura comunitária? O que se espera dele, o que se espera ver quando se vai ao Teatro? Pensemos um pouco sobre isso (e pensar é difícil...) usando o exemplo concreto descrito no próximo parágrafo como trampolim.


Está em cartaz até o final de julho no Teatro Ziembinski (Rio de Janeiro) um evento chamado BRASIL 2005 – 8 VISÕES. Trata-se da reunião de 8 peças curtas escritas por dramaturgos contemporâneos retratando suas visões da realidade brasileira. Cada um abordou um aspecto do Brasil que lhe pareceu interessante (violência, política, cotidiano, vida na classe média, vida na classe alta, vida na classe baixa, polícia, juventude etc) e escreveu um textinho de 25 minutos a respeito. O projeto é uma tentativa de levantar as questões mais urgentes para o nosso país e para o nosso povo neste ano de 2005 e discuti-las no palco. Foi inspirado em outro projeto semelhante realizado em 1978 – a FEIRA BRASILEIRA DE OPINIÃO. Nessa, 10 autores (gente como Gianfrancesco Guarnieri, Maria Adelaide Amaral, Jorge Andrade) fizeram o mesmo, falando então do período da ditadura militar, clamando pela anistia aos presos políticos, pela abertura, pela redemocratização do Brasil etc. Quais são as diferenças entre os dois projetos e como isso pode nos ajudar a pensar a função social do Teatro hoje?


Na época da ditadura, o Brasil não estava nos jornais. A mídia impressa e televisiva não podia dizer o que estava acontecendo, era censurada pelo governo militar. Assim, grupos como o Teatro Oficina, o Teatro Opinião e o Teatro de Arena exerciam uma resistência feroz e corajosa expondo em cena o Brasil que a imprensa não podia divulgar. Ia-se ao Teatro para se unir a essa atitude de resistência, para ver a verdade, para ver a realidade brasileira – que estava apenas nos palcos, nos filmes e na MPB da época, mesmo que disfarçada em metáforas de fácil compreensão para todos, posto que estavam – todos – irmanados na mesma luta e soterrados pela mesma repressão. O povo brasileiro oprimido, o grito de liberdade, a indignação, isso as pessoas só encontravam no Teatro – e os estudantes, a classe média, os intelectuais, a intelligentzia brasileira da época estava toda lá, vendo o Brasil que não podia ser visto em outros lugares, discutindo as questões que eram censuradas nos meios de comunicação de massa.


Hoje vivemos uma situação exatamente inversa. A realidade brasileira está estampada todos os dias na capa dos jornais. Nossos políticos, nossa corrupção, nossa violência, nossa miséria, tudo está exposto em fotos coloridas e manchetes garrafais. Estamos, todos nós, submetidos a uma over-exposição permanente de Brasil, através dos jornais, das revistas, da TV, do rádio...


Pois bem, aí está talvez o que mais fortemente diferencia a função social do Teatro brasileiro contemporâneo do que era feito na época da ditadura: nos anos 60/70 ia-se ao Teatro para ver o Brasil que não podia ser visto. Hoje, não há mais censura e a imprensa expõe continuamente a realidade e as questões de nosso país; portanto, não se vai – e não se quer ir – ao Teatro para ver o Brasil! As pessoas estão saturadas de Robertos Jeffersons, de escândalos, de CPIs, de violência urbana, de desigualdades sociais... Quando se vai ao Teatro hoje, o que menos se quer é se deparar com a denúncia ou a discussão acerca destas iniqüidades. Prefere-se ver qualquer outra coisa: a relação entre mãe e filha na Suécia gelada de Ingmar Bergman, as músicas de Burt Bacharah, um musical sobre a vida de Cole Porter, o Brasil do passado como na Ópera do Malandro... Qualquer coisa, contanto que não seja o Brasil contemporâneo, esse Brasil em que vivemos e do qual estamos saturados.


Portanto, caros amigos, se a função social do Teatro no passado era engajar as pessoas nos problemas sociais brasileiros, hoje, graças às nossas circunstâncias históricas, a função do Teatro é proporcionar um escape, uma fuga (ainda que por 1 hora e meia) dos problemas sociais brasileiros. E agora, José?
 

 

*
 


Deve-se criar porque criar é como jogar.

E o jogo faz parte do que é divino sobre a Terra.
Henry Miller
 

 

Li nas últimas três semanas – re-li, na verdade, com a mesma alegria e como se fosse a primeira vez – Viagem ao Fim da Noite, do Céline, Pergunte ao Pó, do John Fante, On the Road, do Kerouac, e O Capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio, do Bukowski. Recomendo expressamente a quem ainda não teve o prazer. Esses livros ensinam um cara a brigar a briga certa, a ficar de pé sobre as próprias pernas, a não desistir do que não se deve desistir (e a abandonar o que nunca valeu a pena). E já que estou recomendando, vou incluir mais um nessa listinha: Bagana na Chuva, do Mário Bortolotto, que acabou de sair. Um pequeno romance que serve como antídoto pra nossa estupidez adquirida.

 

Estamos sem dinheiro, sem bebida e

sem esperança. Mas ainda temos princípios.
Mário Bortolotto
 

 

 

Roberto Alvim, 30 anos, é dramaturgo, diretor, ator e professor de História do Teatro na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). Autor de 11 peças, seus últimos trabalhos no Rio foram: PELECARNESANGUEOSSOS, Todas as Paisagens Possíveis, Qualquer Espécie de Salvação, Às Vezes É Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho, Vagina Dentata e Mundo Pânico. Atualmente exerce a função de Diretor Artístico do Teatro Ziembinski. Ele nega saber de qualquer esquema rolando na editora Confraria do Vento.

 


 

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