revista

 

expediente

outros

números

envio

de material

editora

cartas

dos leitores

links

contato

 

 

 

 

 

 

 

raphael vidal


marimbondo

 


“..., sai azar marimbondo
vem fazer no teto o que é correto
eu ja sou torto e solto e louco.”

 

Marlui Miranda / Xico Chaves
 

 

A coruja dorme, o galo canta, os trabalhos começam, a rua enche. O velho caminha. Sapato limpo, sola gasta, enganada. O jaleco caprichado na goma cai perfeitamente, liso. Buracos, sujeira, descaso e lama. Todo dia a mesma. Ele, pau-de-arara, está lá. Descendo as escadinhas. E já não percebe. Aquele que um dia ao olhar dali viu um rumo, hoje, desistiu. Nada mudou, apesar. Perdeu-se tudo, até o que nunca teve. Por isso, segue. Apenas mais alguém que ficou e faz só o que tem que ser feito. Quem sabe assim ou tal e coisa. Confuso. Angustiado sem saber. E sem chorar o leite derramado. Ele é apenas o faz-tudo. Há vinte e oito invernos ralando na mesma birosca. Morando no mesmo muquifo. Vivendo o mesmo merderê. E o de todos os outros que encontra no caminho. Dá bom dia até pra defunto. A vida faz doce e por aí vai, abre o recinto, arruma, limpa, esfrega, enxágua. Azulejos azuis, limpos, um brilho. Cada qual - apetrechos, trecos, bugigangas, penduricalhos - em seu lugar. Arrumado. Paliteiro, porta-guardanapo, saleiro, azeite português, pimenta e farofa de dendê. Um brinco. Não se enxerga uma mosca. Quem chega, respira, o lima-limão, desinfetante bom, malandreado, pensa coisa ruim, desconfia. Por fora boa viola, por dentro pão bolorento. No meio-dia tem purê, carne moída, carré, couve, filé, fritas, tutu à mineira. Preço único, médio, calculado, feito. Uma olhada esperta e a desconfiança sobe. Está lá, reto, o velho, pau-de-arara. A refeição vem caprichada, gorda, serve dois. O tempero do norte, forte, dá gosto. O tal, agora garçom, há pouco era cozinheiro, antes foi cumim, amanheceu faxineiro, sem jogo duro. Único funcionário, carteira assinada, garantida, segurada e dou fé. Segue um sorriso no rosto. Custa-lhe pouco os dentes na cara. Entre umas e outras, ninguém vê, a talagada escondida, vem da garrafa de Marimbondo. Queima o gogó e voa sua alforria, esquece. Agora é o gerente.
 

— Isso que é vida boa, amizade.

 



RAPHAEL VIDAL é escritor, cronista-contista, livreiro e editor. Publica em sites na rede e escreve no blog Muquifo Literatura e Merderê.

 


 

voltar ao índice | imprimir

 

 

confraria do vento