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a via excêntrica | ronaldo ferrito III
Para pensarmos o que
se diz no erro trágico (Hamartia), fitando seu entendimento na
experiência de uma errância, é por força não somente filológica que
compreendemos o andarilho sendo ele mesmo o próprio erro de sua via
e desvio. É preciso para assim continuarem, erro e errância, em sua
referência comum, abjurar o sentido majoritário que ambas herdaram da
tradição formal e que constitui um atavismo da lógica aristotélica. O
caminho trágico, se quiséssemos nos conformar a essa tradição, se
organizaria pelo arranjo de fatos ordenador dos eventos e condutor
inevitável de uma trajetória cujo sentido somente se ocupa na proeminência
de um ato exclusivo e soberano dentre os outros, anteriores e posteriores;
pois esses demais se encadeariam na previsibilidade propedêutica e ao
mesmo tempo finalista – já que para isso que surgem - da chegada de um
outro que lhes dá consistência. Porquanto nem um ato fala por si e todo
enredamento é previsto, exceto o instante daquele outro ato definidor e
único revelador de si mesmo. Todos percebemos que nessa apreensão a
consistência é somente mais um outro nome usado para fundamento. Tal
fundamento seria a verdade que dá sentido ao itinerário tragi-poético e
nisso que assistiria o que procuramos questionar: por onde se firma a
tradição em seu próprio erro e errância. A tradição, ao afirmar que o
arranjamento das sucessões convergem para o erro e sua catarse, não comete
um equívoco descritivo, mas um esquecimento do fenômeno. O esquecimento
tido pela lógica formal que ignora a experiência primordial de qualquer
travessia, essa experiência das atualizações e realizações litúrgicas que
é a experiência do destino. A hamartia, como liturgia dos caminhos,
é o corpo já inteiriço e, portanto, o ato único da compostura ou do
arranjamento que é a via; nela todos os atos já são hamartia porque
todos são um único ato ritual e litúrgico num único destino em realização.
É, como se pensou aqui, um acontecimento de todas as realizações e para
todas as realizações.
No próximo número, retomaremos Santiago, A pedra e O dô.
RONALDO FERRITO é poeta, ensaísta e um dos editores da Confraria. Participou de algumas antologias de contos e poemas, como a Asas e Vôos (Guemanisse, 2006) e publica com freqüência em revistas eletrônicas. A via excêntrica era o título de seu livro inédito de poesia (atualmente Hagiopoética), mas agora tornou-se o título do livro de ensaios que começa a ser preparado aqui.
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