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macdara woods


estrada de ranelagh

 

 



 

Garça

Sente-se aqui e observe
como tudo se
repete mais uma vez

Uma garça
soergue no bambuzal
o corpo rombóide

Uma vida gasta como
homem e ave
globosa forma

De água-lume
espelhada
do verso de seu ventre

Ela pressente
o silêncio concêntrico
de si mesma

O parque vazio
a pequena brisa rondando
o lago

E silêncio:
em sua própria dimensão
de pássaro e peixe

E pássaro solitário
a ser
tão diferente quanto este
 


Mitologia

A formalista
há pouco lá fora na rua
ensimesma

como aquela
velha
observando das árvores

em ambas percebo
imagens incompletas
repetindo-se

No réptil sobreposto
de verdade e ausências
e como

Uma jovem
rindo na rua agora
há pouco

é já
uma anciã olhando
dentre as folhas

 

Contato

Não há nenhum contato corporal aqui
nenhum toque
e essa é a manha

Como o trânsito da cidade –
um acidente
que não acontece

Movemos-nos no espaço
onde alguém
já esteve

Exceto
Podemos tomar um pouco do seu tempo
quando dois jovens mórmons

Cumprimentam-me
cheios de cordialidade
e dentes

E repentinamente a manhã
se converte
em algum sentido

Não é bom
educar crianças
olhando para fora dos portões

 

Estrada de Ranelagh: Abril de 2002

Nascido velho e doente
a cada dia eu o vejo vestido para a morte
seus sapatos de vidro
as arestas enrugadas das calças
progredindo em seu bater de pernas
através da vila
sua terrível cara cinza
previamente forçada

Um grande foda-se
Fuori Strada leva a
jogar-se na estrada
com a mesma indiferença
de quem está aqui ou não
buscando
a luminosa geração futuro-do-presente
na escola pretérito-perfeita

Dentro da minha casa
é o rádio aposentado de todos os dias
e Muito obrigado:
Obrigado John e Obrigado Joe:

As luzes da entrada piscam
a intervalos
sobre meus degraus
antes das décadas apagarem-nas

Há dias tento escrever
e não consigo –
exceto essas poucas anotações
pegas no ar
no trajeto até as lojas
e de volta –
pelos espaços onde o movimento pára

 

Sarabanda

1.

Esse é
o usual aparelho

Da catedral
Et spes nostra salve

A idéia
mais que a coisa em si

Cheiro de maresia
de silagem de agosto

Abarcando tudo
o esquizo e o quebrado

Nesse quarto Prelúdio
mais e mais

É o eco do sino
na floresta


2.

A casa de máquinas da Great Britain de Brunel
é a verdadeira Turbina do Tate Modern


3.

Marsyas exibido
expôs
afixada a escuridão interior –
o grande curvo céu avermelhado de Kapur
membrana vermelha
alongando-se sobre nossas cabeças
e além
um glissar de vitrola
repetido
indefinidamente
vibrando na pele do firmamento:
dordán
zumbido seco vermelho das abelhas durante a tarde
barulho vermelho por trás dos olhos

como uma tocha num quarto escuro
brilha através dos dedos
iluminando
o sangue das mãos

o oceano debaixo
do matadouro em Algeciras...



4.

Não estamos olhando
para dentro do céu
de jeito nenhum
mas para dentro de mastros e lençóis:

É uma tarde de trovoadas
tempestade de verão
um céu elétrico
na Alemanha

É o Great Boat de Brunel
rasgando o Atlântico
a inauguração do convés
zunindo sob nossos pés

Este sal congelado
que racha
contra o
quebra-mar

E nós estamos olhando
além do céu
ancestrais ossos e sangue
e tecido

Dentro da parte interna
além do ouvido
dentro do escuro
dentro das coisas


5.

criança eu vi o corpo de uma
ovelha escornada
e parcialmente esfolada:
o buraco verde dentro da pele
é onde o chifre penetrou.


6.

Nossas infâncias
todas reveladas

A velha estrada descendo o canal
os velhos sulcos de roda no caminho

Casas às quais não voltamos
parados defronte os portões


Debaixo desses ladrilhos
essa pavimentação
na praça
embaixo de todas as camadas de pessoas
construídos dentro dessas casas Maias
nas paredes
e nos porões ocos
quem repousa onde?

 

 

Traduzido por Karinna Gulias e Márcio-André
 

 

MACDARA WOODS, poeta irlandês, nascido em 1942 em Dublin, publicou cerca de dez livros de poesia, alguns traduzidos para diversas línguas - dos quais se destacam Knowledge in the Blood (2000) e o The Nightingale Water (2000). Também colaborou com músicos em performances e gravações na Irlanda, Itália e Estados Unidos. Em 1986, foi eleito membro da Aosdána, uma instituição com reconhecida importância para as artes do seu país. Com Leland Bardwell e Pearse Hutchinson, Macdara é editor-fundador da revista literária Cyphers. Seu último trabalho é uma seqüencia de poemas inspirados na paisagem e nas pessoas de Clare Island. Os poemas acima foram traduzidos do livro Artichoke Wine.

 


 

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