|

|

guillermo cabrera infante
exorcismos de esti(l)o
GUILHERME CABRERA INFANTE
nasceu em 1929, e foi ensaísta, crítico, tradutor e escritor cubano,
posteriormente naturalizado britânico. Nascido em Gibara, província do
Oriente, migrou-se para Havana com seus pais. Começou a estudar medicina,
mas abandonou a carreira para virar redator da revista Boehmia. Em 1949
criou o semanário Nova Geração e em 1950 ingressou na Escola de
Jornalismo. No ano seguinte, fundou a Cinemateca de Cuba, na qual
permaneceu presidente por seis anos. Em 1952 foi multado durante o regime
de Fulgencio Batista, por publicar panfletos contra o governo. No ano
seguinte, por problemas políticos, começa a escrever, sob o pseudônimo de
G. Caín, crítica de cinema para a revista Carteles, semanário popular do
qual se tornaria chefe de redação. Paralelamente às suas atividades no
periódico, continuou ganhando prêmios com a literatura de ficção e foi
nomeado diretor do Instituto del Cine. Dirigiu o Conselho Nacional de
Cuba, e nesse mesmo ano, como editor de Revolucíon, criou o suplemento
literário Lunes, que durou pouco tempo. Em 1962 foi nomeado adido cultural
de Cuba em Bruxelas, cargo que desempenhou até 1965.
Publicou seu primeiro título importante, seu primeiro volume de relatos,
Así en la paz como en la guerra, em 1960. Ganhou seu primeiro prêmio
internacional com Vista del amanecer en el trópico (1964), o Prêmio
Biblioteca Breve, de Seix Barral, mas a notoriedade internacional veio com
a novela Tres TristesTigres (1967), onde exibiu a cultura, a música e a
vida noturna da capital cubana Havana antes da Revolução, quando os clubes
noturnos eram geridos por gangsters. O livro, que foi adaptado no filme A
Cidade Perdida, realizado em 2004 e dirigido por Andy Garcia - também ele
nascido em Cuba -, foi mesmo considerado como tendo sido uma revolução na
literatura de língua espanhola. Em 1997 recebeu o prêmio Cervantes, o
galardão máximo da literatura de língua espanhola.
Outras obras importantes foram as novelas La Habana para un infante
difunto (1979), Cuerpos divinos Holly smoke (1985), Delito por bailar
chachachá (1995), Ella cantaba boleros (1996), La Amazona (1996) e Mi
música extremada (1996), além de vários ensaios como Un oficio del siglo
XX (1960), O (1975), Exorcismo de esti(l)o (1976), Arcadia todas las
noches (1978), Holy smoke (1984) e Mea Cuba (1993) e volumes de relatos
como Vista del amanecer en el trópico (1974).
Viveu mais de 40 anos no exílio, uma vez que se assumiu como crítico do
regime de Fidel Castro. Nem sempre foi adversário de Fidel, já que o
apoiou na derrubada da ditadura de direita de Fulgencio Baptista, em 1959.
Contudo, a viragem do regime a caminho do comunismo não o agradou. Cabrera
Infante ainda chegou a ser adido cultural de Cuba em Bruxelas, mas em 1965
abandonou o cargo a caminho do exílio na Inglaterra, onde viria a morrer
aos 75 anos, em 2005.
a aliteratura
Literatura é littérature
em francês, e litter é lixo, desperdício em inglês, enquanto
nature, de novo em francês, é rasura, e lit é leito, essa cama
onde me deito para fazer literatura: somente em espanhol a literatura não
significa outra coisa.
pornografismos
Chamado Mallarmé, apesar de sua enorme penetração crítica e seu gosto por
um bom cenáculo, para dissipar as desordens de cacatuas literárias por seu
poema na velha Chicago, onde o leram muito mal. Foi seu anotador chinês, o
La-pun, orientalista que Singapura reclama, mesmo se nasceu em pleno rio
Orinoco, quem se encarregou de subir só ao Titicaca para depositar as
cinzas deste esteta em um túmulo, mandando-o fazer um passarinheiro de
vastas dimensões, abusando do conhecimento que tinham os índios filhos de
putumaios na arte de trançar sua própria cabelama ou crina, não cabeleira.
A culpa das disputas a teve em parte sua mãe, que foi quem colocou
Stéphane a alguém já chamado mal armé.
canção cubana
Ai! José, assim não se pode!
Ai! José, assim não se!
Ai! José, assim não!
Ai! José, assim!
Ai!
erotesis
És que me amas porque me amas?
a voz atrás da voz
Quem escreve?
Quem fala em um poema? Quem narra em uma novela? Quem é esse eu das
autobiografias? Quem conta um conto? Quem conversa nessa imaginada peça de
só três paredes? Que voz, ativa ou passiva, fala, narra, conta, conversa,
instrui – se deixa ver escrita –? Quem é esse ventríloquo oculto que fala
neste mesmo momento por minha boca – ou melhor, por meus dedos –?
A pluma, por suposto, a primeira vista ou de primeira mão anota. Ou a
máquina de escrever agora de manhã. Uma segunda olhada sonora, escutar
outra vez esse silêncio nos revelará – a mim neste instante; a ti, leitor,
em seguida – que essa voz inaudita, este escribano invisível é a linguagem.
Mas a última dúvida é também a primeira: de que voz original é a linguagem
o eco?
"cogito interruptos"
(Aposiopesis)
As religiões, todas, falam da alma imortal, do mais para lá espiritual, da
subida ao céu ou da descida ao inferno e da ronda eterna das almas em pena,
mas é o espírito que morre primeiro. O anima: a alma: o ser: o élan vital,
segundo Bergson, o prana, segundo Buda, morre antes que o corpo, que por
menos permanece aí inerte/inerme, mas não muito mais indefeso que no sonho
ou em um desmaio ou no estado de coma, e se vai apodrecendo a carne, sim,
se a comem os vermes, mas lentamente, e podem passar meses, anos,
séculos sem que o corpo se acabe se não intervém o fogo. Enquanto que o
espírito se acaba assim, zás! , de pronto, como se apaga uma lâmpada que
está acesa agora, iluminando intenso este minuto e ao minuto, não: ao
segundo, ao instante seguinte está apagado para sempre e como uma lâmpada
eu estou vivo e – hey presto! – me acabo, termino, finis, fuit!, me
vou ao car
da cabeça de Órfeu
à queixada
de um burro
Me agrada como alguns mitos, certas metáforas – e os mitos são às vezes
metáforas repetidas até a religião – reaparecem distantes de seu lugar. A
cabeça cantora (uma verdadeira soprano calva ao correr do tempo) de Orfeu
morou na gruta onde se originaram os mistérios órficos, cantando profecias
no escuro. Outras comunidades mágicas (em Borneu, os caçadores de cabeças)
usam a testa do inimigo decapitado como adivinha e como amuleto. É
possível que uma destas sociedades secretas se estabelecera entre os
escravos de Cuba. As leis da civilização transformaram a cabeça humana em
um crânio animal. Esta caveira órfica cantava nos ritos mágicos. Daqui
passou a sua contrapartida, os bailes públicos: não é a primeira vez que
os instrumentos da música cubana nascem de um ritual: vejam-se as origens
dos bongós, da tumbeira, das maracas. Agora encontramos a metáfora da
cabeça do Poeta cantando agouros batidos nas charangas populares e até na
orquestra européia. Chama-se queixada e está feita com a caveira de
um burro. O som perdeu suas conotações mágicas ou macabras e se fez
abstrato: é música. Orfeu o cantor remontou o rio de origem.
a obra mestra ilegível
O que tomou a Quevedo toda uma
literatura (e ainda mais: a vida), bastou e sobrou a outro Francisco,
Rabelais, com dois livros. A Joyce fez falta, todavia, um e meio. Ganhará
quem os faça em um só. Irá mais longe que todos, que ninguém, e que o faça
com menos, com meio livro, com um quarto – com nada –. Será outro Sócrates
e será mais, porque conterá a Sócrates. Este livro invisível, supremo,
está por fazer e seu autor terá que nascer da hecatombe. Será um (ilegível)
ou não será.
uma cara que é toda
Ojo
a letra morta
Se trata da única letra espanhola de nosso alfabeto. O som existe em
outras línguas, mas a grafia é totalmente espanhola. Quiçá seja a única
letra inventada nos idiomas romances desde a invenção da imprensa. A
cedilha ou c com cedilha é originária do medievo, provençal
provavelmente. As letras deformadas pelas línguas germânicas não são
verdadeiras letras, e a w, que parece uma exceção, é importada do
alfabeto rúnico. Esta letra original, sem embargo, não tem mais que 44
palavras que comecem com ela no dicionário da língua que a criou –
incluindo a própria letra como palavra –. Coisa curiosa, a metade destas
palavras é de origem americana: se Juan Manuel tivesse podido olhar um
dicionário que não existia então, haveria encontrado não mais de vinte
palavras com ela, talvez não houvesse encontrado a letra como. O que quero
demonstrar? Que esta letra sem a qual Espanha não seria Espanha (seria,
todavia, Hispania ou Ispanya ou quando mas espana) é, como as coisas
ótimas e escassas, preciosas, como a pedra esmeralda, como
morfoses
meta
fórica
Um Ofício do Século XX
Um Ofício do Século
Um Ódio Fiel
Sigilo do Ócio
Silêncio
Cine
XX
metatema
Ovídio
Ódio vi.
MARCIO FREIRE (tradução)
é professor de literatura e discente na UNESP.
voltar ao índice |
imprimir
|