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adele weber
fragmentos de Eliot
...Depois do que fez
Ele chorou. Prometeu começar tudo outra vez.
Em toda lágrima há uma esperança?
Alguém a quem agradecer?
Janela aberta para um campo de lavanda?
Ainda gosto do céu azul.
Ontem pendurei na parede uma navalha.
...Eis a terra
Que dividireis conforme a sorte. E partilha ou comunhão
Não importam. Eis a terra. Nossa herança.
Deslizando as costas sentamos
encostados na árvore.
Os olhos se afogaram.
Eis a terra linda, as comoventes ruínas
as cidades novas, belas e inseguras.
O maior contingente humano sem amor destrói nossa herança.
Ignorante da dor eterna sofre a dor cotidiana,
a ignorância da elite escondida ou disfarçada,
a partilha injusta.
Resta a comunhão do grito ao nascer.
...descubro agora
Palavras que jamais pensei dizer
É válido descobri-las cada dia,
belas quando são belas
são próprias
adaptáveis à vida
como nós absorvemos o sol na areia da praia.
Morrem qual os agonizantes
e vivem impetuosamente ao nascer dos mortos.
Acompanham as gerações,
nomeiam as danças,
conquistam os tempos,
e os esquecem.
pertence a ti toda esta tarde
e a tarde pode resumir uma vida inteira.
Finges que compreendes teu amigo
e sorris ou mostras um rosto grave
conforme o assunto debatido.
Te perdes em dúvidas, nem te interessam
os gerânios, jacintos e lilases
destruídos nos versos de Eliot.
A agonia cabe em uma tarde.
o hoje sangra, o amanhã lancina
O olho sangra, não compacto,
fino fio transparente
quase luz
a ensinar compreender o bem e o mal.
Os dois sentimentos têm o seu momento no tempo
e muitas vozes alteram o valor
que a experiência varia ou fracassa.
A dor flui dentro de nós
e o vermelho do olho muda.
A transparência externa da lágrima
chegará amanhã, com vento e névoa.
E lancinará.
na chave pensamos,
e quando nela pensamos, prisioneiros nos sabemos
Qualquer caminho pode conter
humílima ruína e uma prova permanente de silêncio.
Basta uma vez ouvir a chave girar,
o som nos aprisiona.
Uma nudez inexplicável,
humilhante, nos faz sentar no catre e
cobrir o rosto com as mãos
para não ver.
O som persiste no silêncio,
...o coração sobre todas as coisas se engana...
mas decide o seu caminho
como se o conhecesse.
O que sobe ou o que desce
é o mesmo.
Sendo um só, ao descer,
o coração sentirá o caminho que subiu.
Quando na segunda vez subir
reconhecerá a vez anterior.
Na cidade ou no campo importante é o caminho.
Brotam da decisão
inúmeras pinceladas de cores.
Vontade alguma é imóvel como um rio
Imóvel.
Rio imóvel é um significado,
se inicia a cada momento
sem competir.
Sua voz é a alegria da vida,
mas irado
flui como um destruidor
dissolve a nossa vontade.
Não sabemos por que, mas nós,
o rio e nós, continuamos iguais.
...cada instante uma nova e penosa
Avaliação de tudo quanto fomos.
O que você fez do seu tempo?
Tentou reconquistá-lo?
Dividiu-o em próprio
ou impróprio e lamentável?
A experiência da vida de hoje
aplicada ao tempo de ontem não é real.
A alegria da obra, se acontece,
é exceção que não pensa no tempo.
Desolação vazia, da alba ao crepúsculo.
A noção de algo infinitamente suave
De alguma coisa que infinitamente sofre.
Descobrir a suavidade no rosto de uma deusa,
ao permutar a paz
os olhos convictos de quem contempla
transportam-se para o infinito.
Privativo e insubstituível
é o sofredor único
do seu sofrer infinito.
Somar suave e sofrer exige um sonhador.
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada
Como carregar neste caminho ignorado
vagas reminiscências
coisas desconhecidas?
A gente passa, vê,
sente, acerta:
eis um encontro derradeiro.
E é.
Adeus.
E o pássaro cantou, em resposta
A inaudita música imersa na folhagem.
Pássaros ouviram a música imersa
nos verdes da folhagem.
Os sons, os ritmos,
canto e dança
todas as aves responderam
obedientes aos maestros-ventos
das estações recorrentes.
Foi assim que aprenderam
a purificar a agonia das flores.
...o que vive
Pode apenas morrer.
A escuridão permite um pensamento mais puro?
Fraudar purifica o sensual?
Você discute ou se defende da solidão?
Há os que mergulham no pó
vestidos com as últimas palavras.
ADELE WEBER nasceu em
Santos, SP, em 1929. Atuou durante vários anos como arquiteta. Participou
da antologia Caixa de Prismas. Publicou: Aço e Osso, Cordas de amarrar o
tempo e Tipos de rua e alguns recados. Os poemas aqui publicados são
inéditos e pertencem a
seu próximo livro Fragmentos de Eliot, ainda no prelo.
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