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gozo yoshimasu


unicórnio da china

 

GOZO YOSHIMASU, nascido em 1939, em Tóquio, é um dos poetas mais importantes do Japão contemporâneo, autor de Neppu, um poema de 1000 linhas, Osíris, o Deus de Pedra e Doido na Manhã, ambas publicadas em português. Além de poeta, é também ensaísta e fotógrafo. Após a estréia de seu livro de poemas, Shuppatsu, em 1964, produziu prolificamente, de modo que em 1978 sua obra reunida já contava com cinco volumes; sendo então autor de mais de uma dúzia de livros. Sua obra rendeu-lhe diversas honras e prêmios, como os Takami Jun, Rekitei e Hanatsubaki, esse último, o mais importante prêmio literário do Japão. Inserida nas questões do tempo, ela reage à vida maquinal e à dificuldade de identificar o presente. Sendo posterior a Yukio Mishima, é considerado o autor mais importante de sua geração.

Sua poesia, manifestativa de uma inevitável pronúncia na necessidade latente de leitura, orienta-se no mais primitivo estilo de recitação japonês. Tal oralidade rendeu-lhe um sólido trabalho de performances, encontrando repercussão em audiências de toda Europa e América do Norte, bem como no Japão. Nela, ouve-se a refundição da quotidianidade como o som dos apregoadores ambulante, dos instrumentos imortais de sua terra e da autoridade xintoísta, ou mesmo do teatro Noh. A tradição atualizada na vida contemporânea é decantada em sua poesia, pela sua consciência de experimentado viajante. “Tenho comigo o espírito de Basho”, disse certa vez, quando seus poemas foram comparados aos diários de viagem do grande haicaísta.

Em agosto de 2006, com o apoio da Fundação Japão, veio ao Brasil para uma série de participações em importantes eventos. Ganhador de alguns dos mais importantes prêmios literários do Japão, Yoshimasu esteve na Feira Literária Internacional de Parati (FLIP) e na Primavera dos Livros. No dia 19 de agosto, esteve em São Paulo para a pré-estréia mundial do filme “Song of Island”, do qual teve parte. O autor passou também por Brasília e Campinas e veio algumas vezes no Brasil em vários eventos literários.

O poeta, por vezes, identificado com Haroldo de Campos – de quem era grande amigo e colaborador – cultiva no seu fazer poético uma relação com a materialidade da poesia, conduzindo-o num estilo delirante, no qual cada palavra brota a seguinte na busca de sua ordem germinativa; tal concreção, porém, leva-o a renegar o poema como texto para concebê-lo como música, afastando-se em parte dos concretistas.

 

 

Prefácio


Na entrada da casa dos fogos se dobravam sakuras da montanha

1!
sob o "olho d'água" da "deusa da montanha" fez-se a voz de choro


de algum lugar, cheiro de "fogo" e "bicho"

impregnado como o

"espírito do ar que indaga da árvore o nome"

8!
sonho de fantasmas de "antigos habitantes de conchas em espiral" sonha-


va o barulho da válvula da “boca de fogo"

"tsubuyaku, tsubuyaku" a voz mecânica, ébria e murmurante da terra


"realmente, girar é divertido, …….."

quem murmurou?

longe, o espírito do ar da montanha!

 

para Hibari Tamio

 

 

 

Carta

 

Na parte mais alta do braço

 

            “com esplendor discreto”* a marca da vacina de varíola se abria como janela

 

lembrança do veio na madeira

 

de um palanquin de procissão

 

tempo em que também o hospital parecia flutuar

 

 

 

pelo veio branco na madeira do assento, o “som” ritmado que flutuava na “estação”

                                                                                                                    [quem sabe

 

vinha, flutuante a memória do lago

 

 

 – Ike-no-ue, Acima-do-lago 

 

 

estranho nome de lugar…..

 

 

“com esplendor discreto” chegava aos ouvidos uma voz de mulher

 

 

a montanha, parte de baixo do “È”…..

 

 – o lago, parte de cima do “Ç”…..

 

“com esplendor discreto” chegava aos ouvidos uma voz de mulher

 

 

wine glass

 

  – o minguante de vidro roxo, lápis-lázuli

 

 

em língua de pássaros, 1/3 língua dos montes “secretamente” entrega o “coração”

 

 – como a photé de Ishiguro Kenji

 

 

da parte de baixo do lago subiu o “”, é um kakesu! kakesu!

 

então

 

vem!

 

vem

 

flutuar!

 

 

“raro-redemoinho / quando, …….. se tornará o unicórnio da China”

 

 

 

também o professor, o editor, molharam a areia branca no jardim da escola

 

wine color

 

 

 *Yamaguchi Mariko “Doing aki-no-koto

 

 

 

 

Unicórnio da China


(primavera, uma rede em movimento)


a cobra na árvore contou, …… a cobra na árvore contou, ……

“uma carta cinzenta”, “um fragmento de coração atrasado”

                                                                                          era sugado pela boca de fogo

a cobra na árvore contou, …… a cobra na árvore contou, ……

o unicórnio da China (raro, redemoinho, ……),

                                                              no “monte de rarefeito véu”

                                                                                                acocorado ao rés do chão

a cobra na árvore contou, …… a cobra na árvore contou, ……

“a via láctea também tem uma filha via láctea, né”

                                                                         neander

                                                                                     neander, tal

                                                                                                       nas cavernas da Síria

sopra um vento de azeitonas.



a cobra na árvore contou, …… a cobra na árvore contou, ……

                                                          “o apito da noite” no ouvido da criança

                                                                                                            (broto de orelha?)

a casa quieta.

               eu me sento,

                              fico ainda mais baixo,

                                                        com forma de onda

                                                                                a boru, boreeta

                                                                                                  borboleta em português.

(olha, ……


                                       a raia vermelha está murcha.

                                          a carruagem de Einstein é

assustadora.



a cobra na árvore contou, …… a cobra na árvore contou, ……

o unicórnio da China (raro, redemoinho, ……),

                                                         no “monte de rarefeito véu”

                                                                                                acocorado ao rés do chão

a cobra na árvore contou, ……

                                             a cobra na árvore contou, ……

                                                                                         a cobra na árvore contou, ……



“primavera, uma

rede em movimento”
 


 

PEDRO ERBER (tradução) é doutor em filosofia política e literatura na Universidade Cornell, tendo estudado filosofia japonesa na Universidade de Tóquio. É autor de Política e verdade no pensamento de Martin Heidegger (Loyola, 2003).

 


 

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