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adolfo montejo navas
ruído de fundo VI
365 marcas, rastros,
veredas, balizas, sinais. A soma deste officium é inevitável, mas não
responde nunca aos números, outra convenção do imaginário. É muito mais
ligado à constelação que os dias acendem e apagam, ao lado estrelado que
rumoreja que nada pertence a si mesmo, mas também tem seu caráter de
mônada, de mundo em miniatura. Como a verdade dos fragmentos, das “microanálises”,
como diria Benjamin. A outro estado de vigília vai pertencer o resto, o
fio que segue com outro elo? Para outra sede o tempo que continua?
Obs.: Deve-se dizer por último que este calendário, chamado Sobretiempo (Sobretempo),
originalmente escrito em espanhol para este 2007 finalizado, foi
traduzido pelo autor com Diana Araujo Pereira, contando também com a
revisão última de Ana Grillo.
NOVEMBRO
24. Uma memória que só lembra ruídos.
25. Ler mais Calderón antes que seja tarde demais.
26. Há um aniversário que pertence à morte.
27. A paixão do esquecimento pelos guarda-chuvas.
28. A euforia
inveterada e permanente do tempo.
29. Todos os dias enterramos e desenterramos coisas.
30. Qualquer calendário é um poema visual.
DEZEMBRO
1. Maleável como o clima, o tempo também é vivido como temperatura.
2. Milagrosamente, o tempo aceita influências de qualquer coisa.
3. Os ponteiros não param de revolver no magma do tempo.
4. Um dia qualquer já é uma maravilhosa colagem.
5. Nossa mais velha condição é banhar-nos na sismografia do tempo.
6. Quando o tempo foge de nossas representações é para se fazer presença,
acontecimento.
7. Às vezes o presente chama o passado, mas ele está ocupado.
8. O tempo tem a ver com o chumbo que descobrem os minutos.
9. A memória é uma passagem de ida e volta.
10. Esse espaço replicante que quer chamar-se tempo...
11. O insuportável da
morte é que é outro costume.
12. Com cada desaparição se inicia uma conversação diferente.
13. O tempo como work in progress...
14. Cada dia vai fazendo seu rolo de sombra para a noite.
15. Com o presente se vive a transparência.
16. Silabar os números, a sua dança de areia.
17. O passado sabe viver por sua conta, o presente não.
18. Uma ruga para cada fragmento, um selo para cada passagem?
19. Há sempre uma porta que diz sefini.
20. O tempo já foi de ouro.
21. Às vezes o tempo
quer chamar-se Deus.
22. Ilhas, arquipélagos, istmos, penínsulas de tempo.
23. Pessoas que ainda presenteiam tempo.
24. Derivas: o tempo se arruma e se desarruma continuamente.
25. Tempo e coração como vasos comunicantes.
26. Tudo lateja, pulsa, palpita.
27. Em algum lugar remoto descobrimos outro nome do tempo; e então
nascemos de novo.
28. Ficar nu de tempos!
29. Outra cartografia: vemos os relógios como mapas.
30. As cores do tempo se aprendem com a contemplação.
31. Acompanhar ao tempo até seus extremos inesquecíveis.
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ADOLFO MONTEJO NAVAS
é poeta, crítico de arte,
tradutor e curador independente. Nascido em Madri, em 1954, mora no Brasil
há 14 anos. Publicou 49 silêncios (2004), Inscripciones
(1999), Pedras pensadas (2002), Na linha do
horizonte/Conjuros (2003), Da hipocondria (2005), entre outros. Realiza periodicamente mostras de
poemas-objeto e poemas visuais.
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