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forrest gander


ligaduras

 

FORREST GANDER nasceu na Califórnia em 1956. Habilitou-se Licenciado como Mestre de Artes pela Universidade de São Francisco, graduando-se em literatura e geologia. Poeta, ensaísta, tradutor e editor, é autor de várias obras de poesia como Eye Against Eye (2005), Torn Awake (2001), Science & Steepleflower (1998), Deeds of Utmost Kindness (1994), Lynchburg (1993) e Rush to the Lake (1988).

Como tradutor, possui amplo trabalho em poesia de língua hispânica, em especial com poetas mexicanos, como Coral Bracho, Pura López Colomé e Jaimes Saenz, em breve publicará Firefly Under the Tongue: Selected Poems of Coral Bracho (2007), além de seis outros volumes já lançados; ao passo que, como editor, lança a Mouth to Mouth: 12 Contemporary Mexican Poets (1993), uma antologia bilíngüe de poetas mexicanos contemporâneos, ao mesmo tempo em que co-edita com a poeta C.D. Wright, sua esposa, a Lost Roads Publishers, uma editora dedicada exclusivamente à literatura americana contemporânea. Seus ensaios sobre poesia e poética figuram em diversas revistas americanas como as The Nation, The Boston Review e The Providence Journal; nesse gênero, publicou ainda recente uma coleção intitulada A Faithful Existence. A sua obra de efervescente poeta levou Robert Hass, chanceler da Academy of American Poets (Academia dos Poetas Americanos), a caracterizá-lo nestas palavras: “é um poeta sulista de tipo raro, um incansável escritor experimental”.

Gander, entre honras e prêmios, conta com dois Gertrude Stein Awards para Escrita Inovadora norte americana, um prêmio Whiting e algumas honras da National Endowment (Doação Nacional) para as Artes. Atualmente, é professor de Literatura Comparada na Brown University e cultiva um rancho de hortas em Rhode Island a fim de fazer jus a sua formação de geólogo.

 

 

 

Ligadura

Quando a forte veste da adolescência do garoto reage, a família ascende à crista e começa a quebrar como uma onda.

Você virou o rosto quando eu te beijei, diz a mulher. Por quê?

Dias entreabertos de início de inverno.

Quando ele aponta para a mulher, o garoto olha para a mão da mesma forma que os cães olhariam.

A mandíbula do garoto arma-se. Como se por trás de seus dentes, na carne macia de sua garganta, um novo conjunto de dentes estivessem a rasgar. Uma boca para quê?

Cada um deles adota uma ponto de vista. Retóricas desviam para todo lado, quem as pode acompanhar? Uma seqüência de obscuras argumentações.

Quando uma, quando uma palavra, quando a palavra suicida entra na sala onde eles estão gritando, o sistema se fecha, prematuramente tranqüilo.

O homem escreve, não sou um sujeito, mas sujeito a tema. Estou dentro disto como um parasita.

Ele vê a certidão do rosto da mulher na aproximação de outros futuros, no lugar daquele para o qual seu rosto estava preparado.

Então eles habitam seus corpos como música, por um tempo determinado. E ele ainda continua agindo como se tivesse tempos por vir.

Eu apenas quero que você vá embora, um deles berra.

Sem expressão e chata como uma tortilha, uma lua diurna cai sobre a casa.

Ela chama o homem para o canto do porão. Aqueles não eram os ovos da aranha, ele diz, recuando. Eram seus olhos.

Quando o encontro com o eu é vulcânico, nada pode acompanhar.

Rasgando abre o casulo para revelar-se, um garoto dentre a família.

Como se o esperassem. Como se dentro da experiência, translúcida de sentido, existisse outra experiência pendente, inominável.



Ligadura 2

Eu receio que minhas intenções tenham sido mal interpretadas, eu não digo a ela. E então não nos falaremos de novo.

Cachorrinho latindo “como se quisesse algo”. Mas os pássaros não estão cantando como se quisessem algo.

Lua alta, um feto iluminado.

Esse profundo, íntimo cheiro de criança doente, ou melhor: a fusão de febre, pele, cabelo e suor no pescoço. Mas minha tradução é tão lenta, meus ouvintes pegam criança e cheiro e começam a intrometer-se: o cheiro de Minâncora quando ele tem catapora, o cheiro da respiração do bebê depois da amamentação...

É indispensável algumas doses de tequila. O rosto olhando para trás pálido, enrugado.

O ouvido humano mostra-se mais sensível ao som do choro. Então aqueles pássaros parecem pronunciar a tristeza das árvores?

Um cão nas lajes, de tetas negras longas, observa o garoto que anda diante de nós no outro lado da rua.

A maneira provocante com que ela enrosca o cabelo com o dedo avalia a resposta dele.

Enquanto passávamos, o mendigo se escorou contra a parede com suas palmas abertas sobre o joelho, é ainda céu dos céus ou céus do céu?

Assistir, nos olhos da mulher, a frota Plimsoll naufragando com seu desespero.

No hotel, bronzeado e desconsolado, o garoto dá longas braçadas pela piscina durante uma hora.

Eu lembro de ter sonhado ontem à noite que ele me amava.



Ligadura 3


Um pica-pau cabeludo segue outro envolta do tronco.

Palavra como seiva, eu rabisquei. O mais rápido possível.

Esperando pelo garoto, um desengonçado cachorrinho se debruça na beira dos canteiros. Rola sobre suas costas, ataca uma folha de guardanapo.

Da nossa mesa, eu observo os olhos da mulher seguindo o rosto dos transeuntes. Seus brincos alongaram os furos de seus lóbulos criando fendas sugestivas.

Em nosso primeiro encontro, as palavras sussurradas eram eróticas. Depois veio o silêncio.

Uma estranha pede para acompanhar seu filho ao banheiro masculino. Ele está apertado para fazer xixi, ela traduz.

Humildade é o mais fértil florescimento do orgulho, seu alfabeto de grama. Integração é submeter-se ao mundo, o começo de–

O garoto recolhe uma folha para deitar ao lado do besouro rinoceronte se debatendo de costas. O besouro se vira contra a folha. Nesse meio-tempo, o galho começa a sangrar.

O tempo todo nós sentamos acotovelados um ao outro no ônibus lotado, irritados e calados, uma carga eletrostática junta os finos pêlos de nossas pernas.

Quando ele não vem para casa, eu procuro por ele. Sob a luz do poste, um escorpião cor de poeira, filhotes o cavalgam, ele ergue seus pedipalpos.

Cidade fantasma. Antes do amanhecer, vândalos silenciosos. Galos. Um gato vai lento para dentro de uma lata de lixo.

Sem linguagem, a aparência ainda faz perguntas de si mesma.

Ele tem fotografado cachorros sarnentos. Você deve estar ansioso para sentir-se assim.

Eu acordo para ouvir uma mulher do lado de fora da janela fazendo vocalizes.

O garoto me mostra a cartografia do rastro de lesma numa grande folha de abacate.

A sentença não é para as palavras, mas as palavras são para a sentença. Dois de nós se retira para dar lugar a um terceiro.

Um papagaio anda da mesa para a mão estendida do garoto. Ele o pega antes de ver metade de sua asa assepticamente cortada talvez com uma tesoura.



Ligadura 4

A bioluminescência no ventre da lula a faz invisível aos predadores que vêm de baixo. Que o fulgor da raiva do garoto possa protegê-lo.

Passeando com o cachorro e pisando no remendo de uma estrada recuperada, eu lembro do ponto fraco na sua cabeça.

Você é surdo como um beagle. Não, você é.

Posso sentir a resistência da maré sobre a terra girante aumentar a duração de cada dia?

Um cabelo de minha narina ficou branco.

Na noite absoluta, da minha cama, eu o ouço desejando o centro do banheiro. O som se intensifica, voz procurando seu registro.

Cientistas chamam isto de sistema de rede.

Nós sobrevivemos ao Natal, seu rosto prensado contra o peito espremido de sua avó numa casa tão imaculada, a aranha na fresta do teto mantém distância obscenamente.

Como uma estrela nas cercanias da galáxia e arremessado às redondezas pela gravidade da massa negra. Por enquanto, ele vai aonde nós vamos, mas ele não nos pertence.

Eu começo a começar minhas sentenças me apoiando sobre ele, respirando fundo.

Ele abdica da conversa com uma contração das pupilas.

O que para um de nós pode ser a pulsação do imediato é, para outro, o mundano iminente.

Quando o napalm atinge meu cérebro, este assume a tranqüilidade de uma salamandra luminosa.

Ela encontra a fotografia dele aos sete. A transparência exprimida do seu rosto. Como entre os primeiros desenhos de Michelangelo, há uma cópia da Sagra perdida de Masacchio, a consagração.

Nós procuramos em nossas lembranças dele uma certa unidade de características que explicariam nossas interações as quais ele agora nos submete.


Quando em último caso se adere ao lixo-sob-o-tapete, especialistas de laboratório trazem tudo à tona novamente. Ao invés de limpar, suja-se ainda mais.

Ao se jogar no banco de trás, depois da aula de luta, a lona queima na sua bochecha e testa.

Seu silêncio uma onomatopéia da lua nascente.



KARINNA GULIAS (tradução) é formada em Letras pela UFRJ. É produtora gráfica, professora, tradutora e poetisa. Faz parte do projeto Arranjos para Assobio, de texturas poéticas e realidades experimentais (http://arranjos.confrariadovento.com).

 

MÁRCIO-ANDRÉ (tradução) é poeta, ensaísta e editor, autor dos livros Movimento Perpétuo e Intradoxos. É tradutor da poesia de Serge Pey, Ghérasim Luca e Mathieu Bénézet. Sua página é www.marcioandre.com

 


 

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