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guilherme zarvos


delicadeza

 

 

 

Ando assim experimentando como vovó, qual é come vovó?, carne de vovó, fode vovó?, com delicadeza e parcimônia, pois estou diabético. Mas tem sempre um mocinho que diz dada se eu bebe. Coisa de mocinho e sô no liga-liga ladrão, como o escorpião, coisa da natureza e vou lá no bebe. Bebe e dada Pior para mim. Mais doença.

Experimento o Teatro do Oprimido, 150 reais até para estudante, lá na casinha da Lapa dos Oprimidos, não é no casão do Boal na praia não. É legal o curso. Vou amanhã new mente aprender desreprimido. É que estou com artrite e quero experimentar o curso que faz de acordão com Boal. Assim escuto de acordão do Congresso. No dia proveitoso de te ato galera de todas.

Minha osteoporose faz meu corpo ir definhando. Quanto vale meu corpo. Se eu morresse num acidente aéreo minha família chorando apareceria durante quinze dias na tv Globo. Tem um deles espertão, que sabe que não tenho filhos que vai chorar muito e receber o tutu do seguro do corpo com osteoporose queimado. E seu eu morrer num trem da Baixada?

Câncer é uma doença que me faz andar devagar, não posso fugir de bala perdida, de polícia e de bandido, que depois das contendas jogam damas e tomam caipirinha. Se eu morrer em Austin numa arte contemporânea de ferro retorcido o Ex Trem, a obra, meu parente vai fazer cara de muxoxo pois vai receber apenas um cala boca. De bala perdida, então nada.

Cego é difícil. Andar por vielas, sempre tem um que ajuda. Não carregar nada nos bolsos pois tem quem ajuda mas cobra sem pedir. Leva mesmo. Se eu levar uma bala pedida na viela ou na rua meu parente não vai levar tutu e ainda reconhecer corpo e gastar no mau enterro se é que não vai sair no jornal que eu era traficante para a vergonha da família.

Falar demais é sacrifício. Principalmente para um surdo. Outro dia uma senhora queria saber sobre a carta que escreveria para sua tia. Falei que procurasse ajuda pois ela estava muito velha para aprender a escrever carta. Ela queria viver de escrever carta. Ela era banqueteira. Falei na minha linguagem estridente de surdo e ela só ficou muda.

Outro dia fui na casa do amigo que convidou-me para o almoço e eu surdo vi a mulher banqueteira gritando tanto e avançando para cima de mim e acabou me dando uma bofetada, o amigo separou e ela gritava que faz 20 anos falei que ela era velha para escrever cartas profissionais e que por isto Deus me deu o castigo de ser surdo.

Ando de muleta. Passeando pela praça perto da minha residência um garotão com cara de filme de Tropa de Elite jogava seu cachorro contra um mendigo e pacientemente falei que o mendigo não merecia isto. O Zé Perdida, era o nome do garotão miliciano conhecido da área, eu não sabia, falou que iria chamar a polícia da Elite pois eu desrespeitava o direito do cachorro dele.

Ando com caganeira. Aí só tinha o bar que me cobrou a mais e falei que eles eram ladrões e fui expulso mas falei tudo bem de ser roubado mas que tinha que ir ao banheiro. E acabei todo cagado nas calças porque além de roubarem na conta eles têm segurança que pouco se importa com mais um cagado na frente do estabelecimento.

Outro dia um poeta falador falava alto demais e reclamei. Era numa confeitaria e eu comia uma coxinha. Estava me atrapalhando pois estava com meu novo aparelho de surdez e conversando com uma senhorita. O poeta pegou um copo de vidro e me ameaçou. Sou soro-positivo e pedi que batesse com uma cadeira pois o sangue poderia lhe infectar se eu contra-atacasse.
 

Ex

 

          PeRI                                                         MENTE

Patinar de patins na rua ou no lago gelado. Ver chorões na beira dos lagos. Patos e gansos fazem seu sonho e vôo. Grama úmida de início de dia. Despedida de ontem. Caminhada de terra e cheiro de gado. Goiaba pitanga tangerina e jabuticaba no pomar da casa sombreada pela mangueira centenária. Crianças brincando de velocípede. Jogar pão para as carpas do lago, que aparecem ao ouvirem as palmas e vêm buscar pedaço de pão. O galo canta fora de hora, os patos andam no desengonço do pato, minha mulher faz bolo de fubá, leio Manoel de Barros, ouço Pixinguinha bebo suco de caju fresco, como queijo com goiabada frescos, o cheiro de flores de campo que Saudade colheu são impressionistas quando tiro os óculos, Dado e Paulinha se agarram nas minhas pernas, paro o livro, e olho eles crescerem e as risadas e me conta uma estória e vamos jogar bola e mamãe não quer brincar de boneca comigo e o cheiro de chá e de feijão e esqueci de ler nesta semana jornal e estou dormindo às 8 da noite e a televisão fica na salinha das crianças. Duas horas por dia. E nem respondi internet e as crianças uma hora por dia cada e de frente de uma parede branca recém pintada ainda tem um cheirinho de tinta e foco o branco e paro de pensar, só sinto o cheiro do suco, das crianças, de Saudade, da comida, do jardim e já nem necessito lembrar que sou humano e que os dobermanns estão longe. Meu vizinho com carrão e dobermanns é férrico e é da milícia, tem amigo que vende carro roubado, fala alto, bate na mulher e nos filhos, trabalha na Zona Oeste com desmonte, grita no churrasco com gelada e bola que é campeão é campeão com voz cafajeste. Enfim, é desagradável mas a família se privou de algumas coisas para comprarmos a casa financiada do nosso gosto. Nós somos felizes e bons. O mesmo a mulher do vizinho falou para Saudade.

Obs – Como Podem os Intelectuais Trabalhar para os Pobres do Joel Rufino dos Santos, editora Global, bom demais. Boca Aberta do Vitor Paiva, editora Confraria do Vento bão dê mais e Edoardo, o Ele de Nós, do Flávio Amoreira, editora 7letras, bonde +. Filme Santiago do João Moreira Salles, bo aonde?mais. Passeio pra turista bom demais da lapa sexta após meia-noite e vai para a Vila Mimosa e território Garage e porta do Salgueiro ver gente e música B.D.M.
 

 


GUILHERME ZARVOS é escritor, boêmio e articulador cultural. Publicou Morrer (2002), Zombar (2004), entre outros. É co-fundador, junto com o poeta Chacal, do CEP 20.000, pólo cultural que, desde 1990, vem confluindo várias gerações de poetas e artistas do Rio de Janeiro.
 


 

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