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aderaldo luciano


o queijo do reino, a pimenta-do-reino e A pedra do reino

 


 

1. Conheci Bráulio Tavares no final da década de 70 e início dos 80 lá no mesmo lugar onde nasci, na fantasmagórica cidade de Areia, no brejo da Paraíba, cuja capital é João Pessoa. Aliás, meus colegas, há um movimento social legítimo mexendo com as tripas políticas da terra de Ariano. Como sabemos, aquele estado, terra de bravos, mas também de bravateiros, ostenta em sua bandeira rubro-negra, a palavra NEGO, em letras brancas. É uma alusão ao fato de, nas eleições presidenciais de 1929, João Pessoa, o presidente da Paraíba, ter negado apoio à candidatura de Júlio Prestes, o candidato oficial de Washington Luiz, o presidente. Aliás, a bandeira da Paraíba é vermelha pelo sangue derramado (João Pessoa seria assassinado no ano seguinte) e negra pelo luto com o qual a Paraíba se cobriu. Simbologias exaltadas e hoje já sem nenhum significado mais abrangente. O certo é a presença ativa desse movimento restaurador: quer restaurar o antigo nome Parahyba, esse sim, mais legítimo, segundo seus partidários, para depois restaurar a bandeira do estado.

2. Sim!!! Eu falava, ou escrevia, do meu encontro com Bráulio Tavares. Era o Bar de Seu Dedé. Foi lá, meio à cachaça brejeira, rodeado de gente, que Bráulio cantou Caldeirão dos Mitos, gravada em seguida por Elba Ramalho, constituindo-se num sucesso nacional. Depois vi o show do cabeludo de Campina Grande no palco do Colégio Santa Rita: Balada do andarilho Ramon e Meu nome é trupizupe nunca mais saíram de minha parada de sucesso particular, do meu cânone. Transformaram-se em meu queijo-do-reino. Talvez os colegas leitores não saibam da simbologia para nós, paraibanos do interior, da periferia das cidades periféricas, desse artigo lácteo. O queijo-do-reino era o nosso mais elaborado sonho de Natal. Uma mínima fatia seria o máximo na ceia que nunca tínhamos. Era raro entre nós, era cara sua cara de bola.

3. Um dia, na feira livre da cidade, masquei, por engano, uma pimenta-do-reino. Aquilo ardeu-me dias, além de intoxicar meus intestinos até hoje. Eu era uma criança curiosa. Peguei medo de pimenta-do-reino. Já aliviei minhas tripas quanto a isso, mas vou devagar. Nunca soube, nem sequer pesquisei, porque chamam-na de pimenta-do-reino. O mesmo vale para o queijo do reino. Só sei que o queijo ficou-me como marca do prazer e a pimenta, do sofrer. Agora, voltando ao caso de João Pessoa, o político, a história fala de seu assassinato por parte do advogado João Dantas, primo da mãe de Ariano Suassuna. É também sabida a história de João Suassuna, pai de Ariano, morto num episódio anterior, de natureza covarde, pelas costas, por um partidário de João Pessoa. O autor de O auto da compadecida, neste ano de comemoração de seus 80 anos ficou ainda mais rouco de tanto contar essa história. Excelente contador que é.

4. O Movimento Armorial idealizado por Ariano foi outro dos meus queijos. O maestro Cussy de Almeida, à frente da Orquestra Armorial regia uma versão de Sem lei, nem rei, de Capiba. Uma canção dolente, um pôr-do-sol doente, o gado tilintando seus chocalhos, essas imagens da seca nordestina e eu sonhando. Transportar a música para a realidade (ou aproximá-las) foi meu primeiro exercício intelectual arrazoado. Minha imaginação conseguia unir o caldeirão de Bráulio ao caldeirão Armorial, embora fossem caldeirões diferentes e diferençados. E neste ano de ouro para Ariano, Bráulio Tavares tentou levar a cabo a empreitada de aproximar o Armorial da imagem, verteu em roteiro para a TV Globo A pedra do reino. E essa versão foi uma pimenta-do-reino tão violenta que vai ser difícil de me curar. Pois o Trupizupe conseguiu partir o queijo-do-reino e deixá-lo cair nas águas turvas do Rio Taperoá em tempo de cheia. A Pedra rolou para longe. O pobre expectador conhecedor de O auto da compadecida sofreu com a esquisita adaptação. Foi tortuoso. Tanta expectativa resultou em pouco entendimento.

5. Atenção, colegas: minha reflexão é apenas opinativa, passional. Reflete solitariamente o meu parco olhar e sei que me perco, ou por não estar preparado, ou por ser ignorante. Ou, mesmo, por viver as duas anti-qualidades ao mesmo tempo, o que é mais certo. Deixa ser mais preciso: quem tiver a coragem de ler A pedra do reino vai comungar da visão verdadeira da saga formadora de nossa gente. É um romance grosso e cabeludo. A determinação do adaptador e sua maestria não garantiriam, como não garantiu, o êxito da travessia. É um caso para muitas mortes. É um canto para muitos motes. O movimento restaurador, que quer o nome de Parahyba para a capital dos paraibanos e a mudança da bandeira, faz-me acreditar na possibilidade do reencontro do povo consigo mesmo e seus reflexos nos indivíduos. A adaptação de A pedra... para a televisão poderá ser revista por mim num futuro próximo, talvez depois de contemplá-la no cinema. Por enquanto ficam meus sabores mais arraigados: A pedra do reino, quebrando meus lábios de títere; o queijo do reino, povoando minhas papilas ancestrais; a pimenta-do-reino, arranhando-me, como uma lixa 14, o tubo digestivo. Ôpa!! É bom ressaltar para os mais ousados que não julgo ter havido, na adaptação, nem covardia, tampouco assassinato!



ADERALDO LUCIANO é paraibano, nascido em Areia, poeta, professor de Teoria da Literatura e cozinheiro amador.
 


 

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