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flávio viegas
amoreira
caleidoscópio
"raízes mãos longadas
fios de gotas
prosseguimentos
paragens das asas duplas
coalham sal dos ermos
anoitece horizonte: luz é detalhe
queria dizendo até quando
quedo opresso
jardim aquieto
onde ele
tartamudo
lançada rede milhas
canso durdidura"
"comer um peixe ardente
mistral dourando brocados
algas silvestres
cristais são ondas fósseis
pena deitar ao mar trevos em forquilhas."
"NAZCA"
"a ruptura como dinâmica, não ortodoxia. autonomia pressupondo novas
investidas: poesia instaura reino pantanoso na Literatura, incerto mal
progressivo que instaura estranheza de texto, devir miraculoso da
imanência insistente: é demais estonteante o primeiro brado / percebo-me
num ocasional bafejo/ rumos em disparates /
ah! pulsões do ardor / Universo por desatinos lógicos/ dúbias montanhas:
dói o não feito pelos olhos mal rompido amontoado desenlaces / poema
vocifera primavera inútil / o mais adiante é inconseqüência sem urgência,
intrinsecamente ligo-me a um conjunto composto que impreciso quando
descrito: pressinto reparação da assertiva refeita em dúvidas / espero
vencer-me, escrevo-te. rasguei-me a frio numa cruzada na passagem do
Helesponto: agito a fronte larga e debruço / tornei a Éfeso na rubra
romaria: um batalhão de fiéis prorrompia / depuro meu coração: nunca será
a Groenlândia. não existe uma só perspectiva isolando-me: enveredo-me por
algum horizonte inascido num mar dum fundo oco. conheci alguém no encalço:
sozinho não conheço derrota, insisto ao dobre e meio: apuro o passo e vou
ao martírio de mim com sombra testemunha. Eu vaporizo elementos em
palavras-pólen: necessito entrar-me dando ao tom do vento o vazio dalguma
guarida. guardo último espelho da aurora: o fim é pedaço extenso do começo
alongado ao abismo dando num prenúncio e quando penso desconverso, elido.
o caule entre a seiva e o prepúcio: goza artimanha desfolhada. hás de ser
sempre meu amigo: torna a teu recanto transtorna a letra morta é pouso de
quem não mira fundo. há dignidades num influxo: abarca o transporte imerso
submergindo enigmas: a carruagem da morte esquece desse que não titubeia.
quem escreve nada sabe do que diz nisso acaba sendo mais verdadeiro que
tudo-todo omitido pelas coisas: vai além da compreensão o leitor que o
sucede na reverberação do que nadava em vale num paraíso dúbio. a
imaginação é mais impura das gentilezas que a razão recebe do absurdo: a
razão é tão velha como a primeira cafetina da mais velha das profissões: a
pilhagem de termos. Aos dezoitos anos conheci uma guilda de homens que se
amam nos subúrbios de suas pernas que voam em assovios: vem nesse canto
escuro! há uma ponte que nos esconde do riacho turvo: a noite a praia é
breu e nada do céu testemunha as braguilhas em bronhas clandestinas.
conheci gente depois da infância e nada perdi esquecendo a meninez: a
juventude é forte Quixote arfando estanho/ conheci a deusa, o tigre e suas
presas: eu vim de enfrentar desconhecimento e agora pari um ogro azul que
chamamos nuvem: não quero o que passa / desço e pranteio o que permanece
disfarce que desato. imaneço: tenho um par de óculos e lunetas: tudo que
arreganho é dos marujos de Holanda. Volto ao nome / restabeleço a crença:
houve dormires em que velavam cortesãos / giramundos / não existem musas:
só homens pelos braços. a mim não foste senão. Farei ondas / crescerás um
Mar: findaremos vozes / segredos dissipantes: passa um gato do meu feitio
de brilho da estatura do meu sonho. Céu / Mar: vácuo que precede é vão:
saudades é pranto vestido de amplidão e serra. amanhece gêmeo: somos
ambos."
"a palavra cresta, encrespa, cai na gota dum pingo: molda sem artifício /
já sem Tempo de estilo / geologia do gelo: sobra e entorna na frase:
animal langoroso sob garras duma cadência de mil dedos na revelação de
entregas: ato de amor é o sexo proparoxítono. algoz / relevo acordes
obscuros: minhas são linhas de apontamentos / fluem todas águas da terra
cascalhando ditos ápodos cancioneiros: viração sem rédeas nem receios de
signos intranqüilos em cascata: é o ritmo / a toada / o reboque
transatlântico de advérbios. vilarejos descarnados: trás-dos-mundos, folha
andante / poetanças sem cavilhas de nácar ou açucena / ingazeiros /
rebentos da maré cheia: há um guindaste assegurando esse ribeirinho que se
reparte em sílabas fincadas naltanoite. Silêncios! renovado grito:
exclamais povo das chegadas / tardança naufragados escarpas: enxurrão, eu
vou ao verbo idem ao relento: escorresendo... ventando vai andor ao dia:
minutos desfalecem aos pedaços pressentidos da meia-hora: contemplação dos
canais escaleres: forjam o que sigo. incendeio de gim: a dor faliu, os
momentos não são plenos: nascer fracassa, aí portanto estando teimo. toda
pedra exclama: as lascadas vibram / dispo-me do caminho: sou ido e vindo /
tosco membro da insônia dum planeta ignoto / há um tema candido nas
esferas: sempre um solo por entre fendas: contrafeito. é pedra o que se
apura, aresta."
"o amar não tarda/ vem e te alinha ao estrado: cão indoméstico / amo-te
inédito / ardor inefável / amor esse nosso profundo: arrefece / queda /
põem-te em mim: reexamino em ascese , vai-te / hoje fomos/ carrego tu em
talhe."
"a arte não se separa de uma filosofia: não se separa / não para enquanto
se depara: arte é filosofia da insistência. Teu cu é onde volto / a
passagem da substância infame de Deus / sinédoque do Paraíso que estreita
e lanço errôneo por espaço: teu cu é toda Arte versada no consumando: teu
cu, Hipólito, de grata alquimia, teus lábios escandido hino anarquista /
teu olho onda repousada onde não tem outro que te mires: acho volta / além
da falta / teu cu é corolário alívio escólio: nada além do gozo lentamente
frutifica: ah! teu cu, Hipólito é suspiro pressentido a frio num ritmo sem
vaidade que só ignomínia doce pronuncia. teu cu é materialmente indiviso
fóton do átomo repicalhando solicitude e poesia: coisa assim é filosofia:
vasilha onde arrosto e dá-me harmonia. é grotesca anti-metafísica: tornar
ver teu cu é impossibilidade de monotonia."
"silente. joguem-me mãos: sem dualidades / perco tanta verdade na nitidez!
Conheço alegria de Chuang-Tzu durante conhecendo a Poesia de ser peixe:
estou no topo da alegoria-peixe, nado e mergulho.
[Chuang-Tzu e Hui-Tzu Atravessavam o rio Hao Pelo açude.
Disse Chuang: 'Veja como os peixes
Pulam e correm tão livremente:
Isto é sua felicidade'.
Respondeu Hui:
'Desde que você não é um peixe,
Como sabe O que torna os peixes felizes?']
Nado no inter-esse da forma dizer sim: a forma é conceito que pasma e
aquieta para proliferar em híbridos além-terra-do-nunca: não mais é
enquanto furta-se; digo sim as imagens que se querem idéias: sou imagem
daquilo que desdigo / a palavra é algo que se fez possibilidade de
incerteza: em transe duvidoso o poema ejacula para bendito fruto dum
ventre dadivoso / linguagem prenhe. Sustenho minha palavra: sou poeta por
ser Héracles ajudado por Atena: ser poeta é sustentar o Céu com sabedoria:
contem-se voraz trombeteiro / tenho bóias ao meu duplo / experimento o
naufrágio / somos dois a derivar / estremecemos ao cais natural / tenho
saudade de ti noutro flanco da abóbada: mundo a nado / te alcanço na
próxima falha morfológica: o Tempo voa / algo diz que não seu o que
procuro / digresso: acolho-me nesse desvio / toda distância aparenta /
somos rastro da Mãe-molécula. sou extinto: onde mar e terra abraço e
campeio. trato a galope significados: correndo dou fôlego aos cascos. se
conheço somo luz ao estardalhaço. vou pra fora encontrar a necessidade que
não tem morada / aninho e reparto: cada resposta é a perda de qualquer
jeito / não acolho / refaço."
"busquei um grito não fosse no palato / ação maior fosse esse grito /
stacatto descontínuo / remontei eco oco oca asco: esgar sôfrego ao ser
instado alado: amor tem duas falas, uma deixa e desfecho desairado."
"tremo de felicidade: quem se delicia não tarda o vôo escuro / a tenra
planta que se alberga / ouço um cravo rutilante / alço gigantes
agrilhoados em correntes: encho odres a Zeus altitonante / não dou cabo de
piratas: adentrando o delta exponho ao opróbrio a coragem e rendo-me ao
encantos viajeiros. Transporto indene / impenso em males toda sorte de
homem / sofro gozo desse denodado mister de navegar em mar ausente : eia!
que a baía me lança num repente ao Oceano excedendo de porfias e despojos
vogando: a realidade que exponho inclui o lance visto: se a letra mata,
sigo seguro um sinal ausente. contradigo todo escrito até retinir acorde:
fito o que desdigo e anoto o que na harmonia enjeito. encaixo fios
esvaescentes."
"túrbido / o cinza das águas agora recobre cidades e pântanos / amantes
entre videiras de gomo quente / só restaram no reino submerso poetas
perambulantes em penhascos: a terra foi vagarosamente engolida / amaciada
de salitre gasoso / a língua ancestral vem de conhecer a parábola futura:
o dragão cegado semeia vento sem ameaça: a muralha é morada que a raça
fraterna nada aproveita: entre as águas vive-se sem pranto do que se
inventa. Amor não é coisa feita / desabrolha até da seiva gosto que não
finda: apascenta / encanta / sem mais nem tanto reinóis flores sem
canteiros. tu do monte / eu aguardo maré cheia: disse-lhe antes do dilúvio
prazenteiro: lindos castelos subjazendo / volta desse outeiro: faze-te /
constrói-te / sê nauta e torna a mim: Zeus põem-nos: ergue-te nesse abrigo
/ mesmo proa sombria revela sol azul: sol azul ao cosmo reunidos."
"entro em mim mesmo pelo fecho de saída / tranco-me pelas escadas por fora
agarrando ao batente / redentor transporte: desir-me.
queria ser meus olhos de antanho ou cegueira do amanhã partido em luz /
obscurescente dou margem / floresça entre maciez dos dedos.
Até que apareçam bichos / até que a redenção disponha: querer aqui
remoendo é espera. prendi-me aos montes / quis achar o livro preciso:
uns ensinamentos de Cortázar: há realidade que me estimula, essa de
procurar sondar não desenfreada, tonta; humilde agacho suando na
madrugada: quem muito lê tanto descuida simplesmente escreve:
e me divido querendo ler escrever insatisfeito em ambos que não reparo
serem colados ao mesmo desejo de construção dum fluxo;
tinha que rever sua capa / o canto onde deixara: procurar um livro que se
sabe possuir é maior agonia nem que sossegue pegando ler logo em seguida;
a lombada entre pilhas de jornais: livros entre variedades, tenho estímulo
em viver fora saindo dentro do meu acervo a solução entende-se na criação
da Obra e superar a mesquinhez onde nada se fecha: impossível endoidar e
escrever mesmo tempo qualquer coisa essa tão solta ambos simultâneas:
achar o livro é preencher o significado de alguns dias e meses, amanhecer
é um dia: não seria antilivro, posso carregá-lo lance alçapão cofre até o
correio onde posto uma frase do livro que então encontrei finalmente:
postado e chegado em mãos ao destinatário que o recria sem mais desdouro
de quem veda seu constante: minha agonia via rápida até um prédio da rua
Mariana / aberto dois dias por avião numa agência em Botafogo.
Aos 40 anos invejo toda hora sem sono. a narrativa é despendida conforme
percurso: temor de ser apagado cessa com encomenda destinada mesmo que a
motivação tenha sido ocaso."
FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA é escritor, historiador e crítico literário.
Publicou Escorbuto, cantos da costa (poesia), em 2002,
Contogramas (contos), em 2004, Edoardo, o ele de nós (romance),
em 2007, entre outros. Participou de inúmeras revistas literárias,
antologias nacionais e internacionais e colabora com vários jornais e
sites literários. Faz parte também do “Movimento Literatura Urgente” e
idealizou o manifesto “Literatura do Estilhaço”. O livro Os contornos
da Serra são adeuses do Oceano ao Cais, do qual fazem parte os poemas
publicados aqui, foi lançado pelo projeto Dulcinéia Catadora, que reúne
artistas plásticos e catadores da periferia de São Paulo.
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