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gustavo olivieri
ensaios à venda
O olhar para frente do veneziano Marco Polo
Soube-se deste, que seu olhar para frente levou-o ao levante. E andou no
sentido contrário ao da maioria dos olhares de seu tempo, e andou a pés
para o sentido do sol nascente, e alcançou, segundo se conta, a China.
(Outros italianos do meu tempo, anteriores a mim em meia geração, ou em
uma geração de três decênios, escreveram – ele escreveu – sobre o
veneziano, imaginando o andar "para trás". (Ele mesmo, o escritor, não
colocou desse modo, e seus olhares, suas procuras, foram outras... Ainda
assim, o andar de Marco Polo leva a pensar, entre outras coisas, isso.))
Mas a maior parte das pessoas do tempo do veneziano consideraram, seguindo
os antigos, que olhar para frente era olhar para Roma, e, não contentes
com Roma, irem até Espanhas e Bretanhas, e, não satisfeitos, olharem para
além do mar, pois já acreditavam no que diziam os naturalistas astrônomos
de seu tempo, de que a Terra é uma esfera, não um disco (menos ainda um
tabuleiro de xadrez).
Os homens da primeira igreja tiveram muito trabalho com o ocaso...
Ouve-se muito pouco de o que tenham feito para o levante. Simão Pedro
sugere ter estado em Babilônia, coisa que a maior parte dos especialistas
diz "ele não se referia a Babilônia, mas usava um pseudônimo para Roma".
(Ou "ele utiliza ali de linguagem apocalíptica, para dizer que está em um
lugar onde o povo de Deus é perseguido, como foi na Babilônia antiga
(...)".) É uma hipótese que os homens gostaram de defender, e poucos de
questionar (...).
A primeira igreja (ou pelo menos os discípulos deles) alcançaram Eire.
Eire, aliás, é um marco cristão. Talvez o único da cristandade. Talvez o
único catolicismo que legará fiéis para os céus sem dificuldade tão
grande, em juízos. Pelo menos, antes de América-septentrional, onde os
írises se debateram com uma pedra complicada de quebrar: o protestantismo
ianguis.
Anoitece.
(...) Em América, os írises encontraram um osso duro de roer, no meu
próprio juízo de uma expressão mal utilizada, pois gostaria de ser
felídeo, e felídeos não são roedores de ossos... O osso duro de roer foi o
protestantismo ianguis, da grande maçã. A grande maçã é a fruta amarga da
humanidade contemporânea. Que se faz com aquela maçã? Estará podre? Ou
será boa de se comer? Mais cedo eu lia que "a burguesia capitalista romana
começava a cometer atos que legariam desgraça à sua posteridade". Pensei
comigo... "burguesia capitalista romana"?? Como assim? Assim foi o Twentieth Century.
XXth Century "Fox", o cinema, a burguesia
A grande maçã é o lar da burguesia capitalista contemporânea. Parei para
pensar o que será que alguém terá querido dizer com "burguesia capitalista
romana do século II a.C.". Confesso que, ao ler tal sintagma, meu cérebro
protestou. Foi como se engatasse: <água>burguesia + capitalista =
compreensível</água><azeite> Roma republicana + centênio II pré-augustano
= compreensível </azeite>. Não processo. Limite de tolerância.
Auto-destruição intelectual em dez segundos menos, .1, e contando... ( !
). Não procede.
Já manifestei anteriores desagrados com relação à sociologia. Não é uma
ciência que me convence, enquanto naturalista. É certo que não sou bom
parâmetro, pois aceito a psicologia. Porém, a única instância que me
convence a aceitar a psicologia é seu caráter para-médico. É disciplina
que tange o sacerdócio moderno. Não posso negar, não posso fugir, preciso
de medicina. A sociologia ofende a filologia. Então, não deve haver lugar
bastante no mundo para o latinista e o sociólogo, ou eu compreendo mal o
mundo. (Acredito na segunda opção.)
(Para quem prefere olhar o céu do que as pessoas, que é razão pela qual eu
costumo achar que preciso de psicologia – entre outras –, eu seria
astrônomo, mas não toleraria a minha própria vida como sociólogo.)
(Ou, talvez, a sociologia exista para estragar as mentes que os latinistas
terão, depois, de concertar... O problema é que deve haver dez sociólogos
– sendo optimista... – para cada latinista no mundo de língua
portuguesa/outros latins modernos. (Se fosse contar com os sociólogos de
falas germânicas, teria de incluir os filósofos alemães, e não sei se isso
me melhoraria a situação ou se pioraria...))
Os ingleses têm seus próprios modos de se equilibrar. Eles preferem a
economia à sociologia, e isso é muito bom. E os alemães são, como os
franceses, cada vez menos em quantidade, e cada vez menos influentes, o
que minimiza as atrocidades que as filosofias ligadas à manutenção do
ideal republicano francês da revolução burguesa geram para manter seus
próprios paradigmas, que já aí completam seus dois centênios e poucos.
(1789-2009... Em 2039, se sobrevivermos tanto, seria um quarto de
milênio.) Economia é um modo de ver o mundo que produz pensamentos úteis,
firmes onde necessário, maleáveis onde devem ser tangíveis a tanto. Pois
toda "logia" se presta a para-medicina; seu caráter de constante, porém, é
ao extremo volátil. Eu não garanto a sobrevivência da psicologia como
medicina tanto quanto o da astrologia como verdade. Entretanto, ambos
constructos estão no âmbito da fabulação literária humana. Dêem-me uma
astronomia, e eu fico quieto. É física, baseada em observação, e tem
auxílio de um instrumento "mágico", miraculoso (ou milagroso),
maravilhoso: a luneta, em grego telescópio.
Telescópio
O telescópio não avançou a ação da astronomia, mas deu aos astrônomos uma
impressão de que não importa o quanto se avance, nunca seremos mais do que
observadores.
Duas fabulações literárias contrariam esse preceito, vigente nas mentes
investigativas do grande universo na atualidade. Uma, "lunática", por
Albert Einstein, de que é possível viajar a velocidades absurdas. Esse
discípulo de H. G. Wells (que foi, este, melhor com o microscópio do que
com a luneta, pois, no que diz respeito a distâncias, o sr. Wells apenas
filosofou um muito tosco A máquina do tempo, que, apesar de instigar
mentes imaginativas (como a do sr. Einstein), não produziu nada de
objetivo.) Sabemos que as coisas mais objetivas que o A. Einstein produziu
apenas serviram para a produção de poluentes absurdamaneira tóxicos, e
utensílios bélicos absurdamaneira destrutivos, que até hoje são a cobiça
das disputas internacionais. O que exime o nosso "amigo linguarudo" é que
sem fracassos, que avanços poderia haver? Apenas constatamos que viajar no
tempo não é possível porque alguém investigou isso, e, pelos caminhos
propostos, isso de veras se mostrou inverossímil às condições conhecidas
de vida e movimento.
Falo com maior alegria das fabulações de Jules Verne, porque, das quatro
investidas propostas por ele, apenas uma não foi concretizada, e, mesmo
essa foi de valia. (Pois os homens até o XIXº. achavam que encontrariam,
no centro da Terra, ou civilizações maravilhosas, ou dinossauros, ou algum
inferno, ou algum paraíso, ou algum outro elo do mistério universal.
Encontraram apenas fogo, e rocha derretida... Talvez tenhamos encontrado
algo parecido com um inverno, mas nenhum diabo, nem nenhum deus-ferreiro.)
Dois legados razoáveis para a humanidade, embora usados para fins
belicosos, de modo semelhante, Jules Verne escrevia e os homens de ciência
de seu tempo realizavam a nau submarina, e o pássaro de ferro; este
último, que veio a demonstrar que a relatividade do tempo não é coisa tão
lunática assim. E nosso bom linguarudo o sr. Einstein não foi isento da
realização que o Jules não viu, antes até contribuiu para isto: um nauta
"estelar" pisar em outro solo, fora da, em recente ocasião rebaixado a
planeta, Terra. Foi em 1969 que alguns homens pisaram no nosso satélite,
lugar que antes só podíamos admirar com luneta, e que, diga-se, a luneta
ajudou aos homens como Jules, Albert, e outros a sonhar em realizar, a
pensar em como fazer para tornar possível tanger algo que se tornou muito
mais próximo do que parecia ser: o "luminar da noite".
Outros instrumentos,
eu não consegui falar sobre cinema
et
"A trava"
Há instrumentos que produzem som. São instrumentos musicais. Há
instrumentos de desenho, com os quais os nossos antepassados desenvolveram
as escritas. Há utensílios de jardinagem. Há modos de se fazer escrita. É
possível se gravar em tabuinhas de argila, procedimento que não se usa
mais... Pode-se usar tinta sobre papel, ou o grafite, que é carbono, pelo
que dizem os que usam microscópios... A tinta pode ser usada sobre papel,
mas também sobre couro. O couro foi abandonado, desde o advento da
imprensa. Também, o couro sempre foi mais caro, dizem. Depois da imprensa,
inventaram o datilógrafo. Os escritores... pelo menos alguns deles (a
saber, pelo menos eu), ainda o usam. Pois, com o advento da fabulosa
(miraculosa, em português, milagrosa, ou ainda a "mágica", ou a
maravilhosa) tábula luminosa, a maioria dos escritores aderiram ao novo
instrumento. (Inclusive eu, tão logo pude, pois minha falta de tino
comercial me impediu, durante muito tempo.) (Preços acima das
possibilidades.) Dos instrumentos musicais, como já insinuei, procuro
fazer uso da cítara, uma mandole (guitarrinha de quatro cordas duplas, de
aço, e com a mesma afinação do violino, mui conhecido, por fazer parte da
"orchestra", coisa que desconheço!) de tipo "viola". Há um instrumento
muito importante, a que os homens dão pouca atenção por causa da falta de
poesia que impera o cotidiano: a lâmpada (ou lanterna). Esses são os
instrumentos a que eu tenho acesso. Pretendo procurar adquirir um outro,
que é a luneta. A luneta tem uso para mim, que gosto de olhar o céu
noturno. Faço, como disse antes, a olho nu. Acredito que a luneta me
deixará mais ansioso de pisar na lua, e de impelir aos homens do meu tempo
a verem o que eu penso sobre modos viáveis, veros, de se pensar em
colonizar o sistema solar. A ansiedade por pisar no satélite me fará
escrever mais depressa, penso. Talvez eu esteja enganado.
Sou homem de luneta, e não de microscópio, pois, como também disse antes,
não sou médico; sou doente. Doente impaciente. (...)
Não falarei sobre cinema.
Passo à trava: travei.
GUSTAVO OLIVIERI é livreiro
por profissão, latinista por formação e gosto (pela Faculdade de Letras da
UFRJ), além de escritor. Sua produção literária se inicia através do
ensaio livre, de que tem dois livros não publicados. Segundo ele mesmo,
"batalha pela definição de novos rumos de identidade, num centênio de
incertezas e paradigmas, alguns ultrapassados, outros empoeirados".
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