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O olhar para frente do veneziano Marco Polo


Soube-se deste, que seu olhar para frente levou-o ao levante. E andou no sentido contrário ao da maioria dos olhares de seu tempo, e andou a pés para o sentido do sol nascente, e alcançou, segundo se conta, a China. (Outros italianos do meu tempo, anteriores a mim em meia geração, ou em uma geração de três decênios, escreveram – ele escreveu – sobre o veneziano, imaginando o andar "para trás". (Ele mesmo, o escritor, não colocou desse modo, e seus olhares, suas procuras, foram outras... Ainda assim, o andar de Marco Polo leva a pensar, entre outras coisas, isso.))

Mas a maior parte das pessoas do tempo do veneziano consideraram, seguindo os antigos, que olhar para frente era olhar para Roma, e, não contentes com Roma, irem até Espanhas e Bretanhas, e, não satisfeitos, olharem para além do mar, pois já acreditavam no que diziam os naturalistas astrônomos de seu tempo, de que a Terra é uma esfera, não um disco (menos ainda um tabuleiro de xadrez).

Os homens da primeira igreja tiveram muito trabalho com o ocaso... Ouve-se muito pouco de o que tenham feito para o levante. Simão Pedro sugere ter estado em Babilônia, coisa que a maior parte dos especialistas diz "ele não se referia a Babilônia, mas usava um pseudônimo para Roma". (Ou "ele utiliza ali de linguagem apocalíptica, para dizer que está em um lugar onde o povo de Deus é perseguido, como foi na Babilônia antiga (...)".) É uma hipótese que os homens gostaram de defender, e poucos de questionar (...).

A primeira igreja (ou pelo menos os discípulos deles) alcançaram Eire. Eire, aliás, é um marco cristão. Talvez o único da cristandade. Talvez o único catolicismo que legará fiéis para os céus sem dificuldade tão grande, em juízos. Pelo menos, antes de América-septentrional, onde os írises se debateram com uma pedra complicada de quebrar: o protestantismo ianguis.

Anoitece.

(...) Em América, os írises encontraram um osso duro de roer, no meu próprio juízo de uma expressão mal utilizada, pois gostaria de ser felídeo, e felídeos não são roedores de ossos... O osso duro de roer foi o protestantismo ianguis, da grande maçã. A grande maçã é a fruta amarga da humanidade contemporânea. Que se faz com aquela maçã? Estará podre? Ou será boa de se comer? Mais cedo eu lia que "a burguesia capitalista romana começava a cometer atos que legariam desgraça à sua posteridade". Pensei comigo... "burguesia capitalista romana"?? Como assim? Assim foi o Twentieth Century.
 


XXth Century "Fox", o cinema, a burguesia

A grande maçã é o lar da burguesia capitalista contemporânea. Parei para pensar o que será que alguém terá querido dizer com "burguesia capitalista romana do século II a.C.". Confesso que, ao ler tal sintagma, meu cérebro protestou. Foi como se engatasse: <água>burguesia + capitalista = compreensível</água><azeite> Roma republicana + centênio II pré-augustano = compreensível </azeite>. Não processo. Limite de tolerância. Auto-destruição intelectual em dez segundos menos, .1, e contando... ( ! ). Não procede.

Já manifestei anteriores desagrados com relação à sociologia. Não é uma ciência que me convence, enquanto naturalista. É certo que não sou bom parâmetro, pois aceito a psicologia. Porém, a única instância que me convence a aceitar a psicologia é seu caráter para-médico. É disciplina que tange o sacerdócio moderno. Não posso negar, não posso fugir, preciso de medicina. A sociologia ofende a filologia. Então, não deve haver lugar bastante no mundo para o latinista e o sociólogo, ou eu compreendo mal o mundo. (Acredito na segunda opção.)

(Para quem prefere olhar o céu do que as pessoas, que é razão pela qual eu costumo achar que preciso de psicologia – entre outras –, eu seria astrônomo, mas não toleraria a minha própria vida como sociólogo.)

(Ou, talvez, a sociologia exista para estragar as mentes que os latinistas terão, depois, de concertar... O problema é que deve haver dez sociólogos – sendo optimista... – para cada latinista no mundo de língua portuguesa/outros latins modernos. (Se fosse contar com os sociólogos de falas germânicas, teria de incluir os filósofos alemães, e não sei se isso me melhoraria a situação ou se pioraria...))

Os ingleses têm seus próprios modos de se equilibrar. Eles preferem a economia à sociologia, e isso é muito bom. E os alemães são, como os franceses, cada vez menos em quantidade, e cada vez menos influentes, o que minimiza as atrocidades que as filosofias ligadas à manutenção do ideal republicano francês da revolução burguesa geram para manter seus próprios paradigmas, que já aí completam seus dois centênios e poucos. (1789-2009... Em 2039, se sobrevivermos tanto, seria um quarto de milênio.) Economia é um modo de ver o mundo que produz pensamentos úteis, firmes onde necessário, maleáveis onde devem ser tangíveis a tanto. Pois toda "logia" se presta a para-medicina; seu caráter de constante, porém, é ao extremo volátil. Eu não garanto a sobrevivência da psicologia como medicina tanto quanto o da astrologia como verdade. Entretanto, ambos constructos estão no âmbito da fabulação literária humana. Dêem-me uma astronomia, e eu fico quieto. É física, baseada em observação, e tem auxílio de um instrumento "mágico", miraculoso (ou milagroso), maravilhoso: a luneta, em grego telescópio.


Telescópio

O telescópio não avançou a ação da astronomia, mas deu aos astrônomos uma impressão de que não importa o quanto se avance, nunca seremos mais do que observadores.

Duas fabulações literárias contrariam esse preceito, vigente nas mentes investigativas do grande universo na atualidade. Uma, "lunática", por Albert Einstein, de que é possível viajar a velocidades absurdas. Esse discípulo de H. G. Wells (que foi, este, melhor com o microscópio do que com a luneta, pois, no que diz respeito a distâncias, o sr. Wells apenas filosofou um muito tosco A máquina do tempo, que, apesar de instigar mentes imaginativas (como a do sr. Einstein), não produziu nada de objetivo.) Sabemos que as coisas mais objetivas que o A. Einstein produziu apenas serviram para a produção de poluentes absurdamaneira tóxicos, e utensílios bélicos absurdamaneira destrutivos, que até hoje são a cobiça das disputas internacionais. O que exime o nosso "amigo linguarudo" é que sem fracassos, que avanços poderia haver? Apenas constatamos que viajar no tempo não é possível porque alguém investigou isso, e, pelos caminhos propostos, isso de veras se mostrou inverossímil às condições conhecidas de vida e movimento.

Falo com maior alegria das fabulações de Jules Verne, porque, das quatro investidas propostas por ele, apenas uma não foi concretizada, e, mesmo essa foi de valia. (Pois os homens até o XIXº. achavam que encontrariam, no centro da Terra, ou civilizações maravilhosas, ou dinossauros, ou algum inferno, ou algum paraíso, ou algum outro elo do mistério universal. Encontraram apenas fogo, e rocha derretida... Talvez tenhamos encontrado algo parecido com um inverno, mas nenhum diabo, nem nenhum deus-ferreiro.) Dois legados razoáveis para a humanidade, embora usados para fins belicosos, de modo semelhante, Jules Verne escrevia e os homens de ciência de seu tempo realizavam a nau submarina, e o pássaro de ferro; este último, que veio a demonstrar que a relatividade do tempo não é coisa tão lunática assim. E nosso bom linguarudo o sr. Einstein não foi isento da realização que o Jules não viu, antes até contribuiu para isto: um nauta "estelar" pisar em outro solo, fora da, em recente ocasião rebaixado a planeta, Terra. Foi em 1969 que alguns homens pisaram no nosso satélite, lugar que antes só podíamos admirar com luneta, e que, diga-se, a luneta ajudou aos homens como Jules, Albert, e outros a sonhar em realizar, a pensar em como fazer para tornar possível tanger algo que se tornou muito mais próximo do que parecia ser: o "luminar da noite".


Outros instrumentos,
eu não consegui falar sobre cinema
et
"A trava"


Há instrumentos que produzem som. São instrumentos musicais. Há instrumentos de desenho, com os quais os nossos antepassados desenvolveram as escritas. Há utensílios de jardinagem. Há modos de se fazer escrita. É possível se gravar em tabuinhas de argila, procedimento que não se usa mais... Pode-se usar tinta sobre papel, ou o grafite, que é carbono, pelo que dizem os que usam microscópios... A tinta pode ser usada sobre papel, mas também sobre couro. O couro foi abandonado, desde o advento da imprensa. Também, o couro sempre foi mais caro, dizem. Depois da imprensa, inventaram o datilógrafo. Os escritores... pelo menos alguns deles (a saber, pelo menos eu), ainda o usam. Pois, com o advento da fabulosa (miraculosa, em português, milagrosa, ou ainda a "mágica", ou a maravilhosa) tábula luminosa, a maioria dos escritores aderiram ao novo instrumento. (Inclusive eu, tão logo pude, pois minha falta de tino comercial me impediu, durante muito tempo.) (Preços acima das possibilidades.) Dos instrumentos musicais, como já insinuei, procuro fazer uso da cítara, uma mandole (guitarrinha de quatro cordas duplas, de aço, e com a mesma afinação do violino, mui conhecido, por fazer parte da "orchestra", coisa que desconheço!) de tipo "viola". Há um instrumento muito importante, a que os homens dão pouca atenção por causa da falta de poesia que impera o cotidiano: a lâmpada (ou lanterna). Esses são os instrumentos a que eu tenho acesso. Pretendo procurar adquirir um outro, que é a luneta. A luneta tem uso para mim, que gosto de olhar o céu noturno. Faço, como disse antes, a olho nu. Acredito que a luneta me deixará mais ansioso de pisar na lua, e de impelir aos homens do meu tempo a verem o que eu penso sobre modos viáveis, veros, de se pensar em colonizar o sistema solar. A ansiedade por pisar no satélite me fará escrever mais depressa, penso. Talvez eu esteja enganado.

Sou homem de luneta, e não de microscópio, pois, como também disse antes, não sou médico; sou doente. Doente impaciente. (...)

Não falarei sobre cinema.

Passo à trava: travei.
 

 

 

GUSTAVO OLIVIERI é livreiro por profissão, latinista por formação e gosto (pela Faculdade de Letras da UFRJ), além de escritor. Sua produção literária se inicia através do ensaio livre, de que tem dois livros não publicados. Segundo ele mesmo, "batalha pela definição de novos rumos de identidade, num centênio de incertezas e paradigmas, alguns ultrapassados, outros empoeirados".
 


 

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