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gustavo rios


dias estranhos, fodas bem dadas e música cubana

 

 

 

Meu caro Dante Alighieri
 

para o Buena Vista Social Clube



Maniqueísmo é uma palavra fodida e desnecessária. Não existe bem ou mal. Existem dias estranhos, fodas bem dadas e música cubana. E algumas das minhas convicções juvenis que estão indo à puta que pariu há algum tempo.

Não devia ser assim. Mas sempre dou um jeito de incluir dor e um pouco de confusão nos momentos que deviam ser essencialmente alegres. Talvez seja uma mera questão de estilo, já que tenho olhos tristes. Ouvir música cubana é um momento alegre. Deveria ser, ao menos. Um monte de questionamentos imbecis, e eles continuam cantando. Eu é que me vire com minhas dúvidas e crises existenciais.


Esperando minha condenação. Meu velho nunca gostou de homenagens póstumas. Faltava-lhe ar e boa música. O juízo final terá cores mais alegres, tenho certeza. É só manter um sorriso indolente na cara. Deixar o corpo obedecer outros comandos, mais involuntários.

“Na América Central existe um lugar...”


À medida que a música cresce, cheia de inventividade e inquestionável força, eu vejo as coisas. Um pouco de luz sobre os fatos, constato que Dante esqueceu de algo. Um lugar onde os ciclones são hostis. Destituído de bem ou de mal. Dante dividiu o mundo em três partes, um erro. O mundo não é só Inferno, Céu e Purgatório, meu caro amigo Dante Alighieri.

“Na América Central existe um lugar...”.


A história reescrita e reinventada. Uma nova perspectiva. O mundo desprovido da filosofia inútil. A religião para a puta que pariu, também. Pois um Deus que não sabe dançar salsa não existe para eles. Um arco-íris e suas cores reluzentes, contrastando com minha alminha perdida e covarde.

Estou cansado de ter tormentos inúteis. Meu céu sempre nublado (essa metáfora renitente e corrosiva). É nesses dias que sonho em virar ração para cachorro.


Caras como eu nunca saberão onde o sol nasce. Desconfio que seja para lá dos trópicos. Sou mais um que vive no poente. Do refugo da felicidade alheia e colorida que o vento sopra para cá de vez em quando. É nisso tudo que penso, enquanto escuto música cubana. Meu caro amigo Dante Alighieri.
 


Eu, libertino?

Vou enfeitar minha mesa com flores de plástico. Plástico: a única coisa realmente eterna nesta vida. Rir à toa e criar um cão. Quero um fim digno das minhas excentricidades. Uma casa cheia de mágoa. As paredes impecáveis. É isso que chamam de respirar no vácuo. Faça-me acreditar em algo com um longo beijo, garota.

Ou com uma bela chupada – para que eu possa ser sincero, escroto e negligente com meus sentimentos mais nobres, garota.


Tudo muito mal-intencionado, por favor. Gosto do seu total desconhecimento do meu mundo. Isso me permite uma vida dupla, algo muito funcional para mim. Vamos aos fatos, meu bem – a gente nunca se amou mesmo. Então, rasteje um pouco, deixe minha perversão ser bem aceita. E depois lava os pratos para mim.


Isso é amor verdadeiro, você não acha? Eu nunca tive dessas coisas: medos e confissões sendo esquecidas. Uma mulher em trajes sumários lavando os pratos para mim. A porta do meu quarto entreaberta. Eu deitado. Ainda mantendo uma ereção para toda a eternidade.

É óbvio que eu vou te amar pra sempre. Vamos jantar no chinês aos domingos. Exercitar nossos desentendimentos e quem sabe praticar o amor perfeito. Mesmo que isso seja falso e inexistente.

Claro que farei concessões. Algumas, do tipo não fumar mais maconha e evitar papos cabeça. Na verdade, busco uma forma de dizer eu te amo, mesmo sendo tão auto-suficiente quando o assunto é ficar sozinho pro resto da vida. É sempre a mesma merda quando me faltam metáforas. Essas coisinhas, as metáforas e os amores mal-resolvidos, consomem a gente. Nos deixam numa inquietação fodida e sem graça.

Não era isso que eu queria para mim – definitivamente não. No meu sonho de vida não tinham essas cenas. Era tudo preto e branco, eu lembro bem. Tinha Jimmi Hendrix e bons livros. Nada mais que acordar cedo e não resistir. Regando minhas flores de plástico e amaldiçoando o sol que queima tudo lá fora.



GUSTAVO RIOS é baiano e reside em Salvador. Publicou o livro de contos O Amor é uma coisa feia, em 2007, pela Coleção Rocinante, da Editora 7 Letras. Os contos acima fazem parte de um livro de contos ainda inédito. Escreve regularmente nos blogs www.cozinhadocao.blogspot.com e www.feioamor.zip.net.
 


 

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