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aderaldo luciano


flip, flap, flip, flap

 


 

Outro dia ouvi não sei quem dizer (talvez João Ubaldo, não lembro) que seus personagens vão tomando vida e se alforriando de seu senhor, no caso, dele, o autor. Estou para desenterder-me (se é que já entendi) desses casos da criação literária. Estou mesmo à beira de desacreditar e duvidar de toda e qualquer referência à literatura. O caso é que à beira da derrota descobri, finalmente, duas figuras opostas em seu ofício de escreviver. E encontrei-os no mesmo lugar. Na TV, fora de qualquer coisa que se pareça com o texto escrito, esbarrei com Amós Oz e Tom Clancy. Dois nomes conhecidos, para mim apenas referências, pois nunca os havia lido. E saí atrás de suas penas. Do primeiro pus-me a caçar O mesmo mar. Do outro, Caçada ao Outubro Vermelho. E deparei-me com eles em sebo. Amós Oz estava num sebo do Largo da Carioca. Tom Clancy numa barraca em Vicente de Carvalho. Tão distantes um do outro, tanto na escrita como na geografia. Essa caçada em busca do mesmo mar fez-me pensar que vender livro também é um negócio. Pelo primeiro paguei R$ 9,90 e pelo segundo R$ 5,00. Em bom estado. E corri para casa. O próximo passo seria usufruir dos R$ 14,90 que investi nas compras. Mas será que esse prazer (o de ler, não o de consumir) vale mesmo o preço pago? Não sei avaliar, pois os mesmos livros, buscando-os num desses sites que fazem comparação de preços de produtos na internet, variavam seu preço em vários porcentos. Oz alcançava o teto de R$ 48,00 e Clancy bateu os R$ 39,00. Já fui me sentindo melhor, começara o prazer de não ter gasto R$ 87,00 pelos meus colegas, já que eles não pagariam isso por mim.


Logo depois, fui convidado para ir à Festa Literária de Parati. Não foi a organização da festa que me convidou, nem qualquer figurão literata. Foi um amigo de mesa de bar. Confessei-me avesso a esse tipo de evento. Acho que não contribui para a Literatura e sua desmistificação de coisa da elite resolvida financeiramente. Mas ele tentou convencer-me com o argumento de que Amós Oz estaria lá, numa tenda, chamada Tenda dos Autores. E eu pensei: “Pôxa, que legal, os autores ficam numa tenda, independente de seu status.” Eu pensava que era uma tenda de verdade, daquelas de acampamento, e que os autores estariam lá, por amor à literatura, acampados, conversando com os transeuntes. Seriam gente comum, já que estariam numa festa aberta ao público. Não, não era. Eu teria que pagar R$ 26,00 para entrar, sentar sem me mexer, com mais não sei quantas pessoas. Ou R$ 6,00 para ver num telão numa outra tenda chamada Tenda da Matriz. Aí pensei que isso não era para mim, era para ti, leitor amigo!


À noite, depois de rejeitar o convite do colega, fui aparteado por Márcio-André, o poeta recém-chegado ébrio e radioativo da Europa, dando-me conta de que fora convidado para a Flap. Imaginei os altos vôos do bardo já que, até então, a Flap era apenas uma revista dedicada à aviação. Não, não! Flap é a festa literária alternativa à Flip. E tem como bandeira observar o comportamento da literatura alheia ao (ou fora do) circuito comercial. Perguntei-me como se pode estar fora desse mercado, se qualquer autor que publicar um livro, um livreto, um opúsculo, uma plaquete, um cordel, está dentro? Ah! Sim! São aqueles que ainda não entraram no pequeno círculo dos convidados à mesa da Tenda dos Autores em Parati. Penso que no Brasil só um poeta conseguiu ser alternativo até o fim, sem necessitar do mercado editorial, nem de tenda: Gregório de Matos, o sobrevivente. Desejei boa sorte ao Márcio-André em seu encontro alternativo.


Entretanto, além do aparte do André, recebi também minha fatura de cartão de crédito, R$ 49,00. Mas não foi só. Nela, à parte, uma oferta imperdível: toda a obra de Paulo Coelho por R$ 99,00. Tremi, assim meio que tomado por uma energia estranha. Uma energia cósmica. E compreendi meu destino: Maktub! Aquilo era uma senha. E era premente que eu me apoderasse dessa benção. Liquidação, Paulo Coelho estava sendo liquidado. Toda a obra: R$ 99,00. E eu tinha crédito no cartão. Felizmente saí do transe rápido graças ao Mauro Halfeld e seu alerta: não ceda às tentações. Não cedi. No sebo o Coelho sai por R$ 1,00. Se vale ou não, mago leitor, resolve com tua tenda pessoal.


Outra surpresa aquela noite me traria. Ao abrir o e-mail, recebia, ali no écran, o orçamento para a publicação de meu livro, minha dissertação de mestrado: R$ 5.000,00. Com direito a lançamento na Bienal. Quando li esse nome, Bienal, desestimulei-me novamente da literatura. E passou-me pela cabeça tudo que vivi para ir à Bienal no Riocentro. Paguei R$ 15,00 para estacionar, já havia pago aproximadamente R$ 3,00 de pedágio na Linha Amarela. Mais R$ 30,00 para eu e minha esposa, mais meia para minha sogra, que é idosa, e meia para minha filha. Comemos uma pizza horrível com refrigerante quente. Fechamos a conta em R$ 100,00 numa noite. Comprei livros infantis a um vendedor encervejado e nada mais. A média do preço dos livros, na época, era de R$ 40,00. Fiquei vacinado e cético. Por isso acredito que os personagens, como ouvi alguém dizer (talvez João Ubaldo, não lembro), tomam vida própria e se alforriam da vontade do seu senhor, no caso o autor. E devem, como nós, pagar um alto preço pela ousadia!



ADERALDO LUCIANO é paraibano, nascido em Areia, poeta, professor de Teoria da Literatura e cozinheiro amador.
 


 

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