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rod britto aos povos, todos os caminhos
Sentença perturbadora, signo
de avareza para com o mundo, sem dúvida alguma, reprovável. Postura das
mais incorretas numa leitura formal se sob os métodos políticos da
aplicação (ou a sua tentativa endêmica) e do conhecimento (ou ao menos sua
fricção e o conjunto dos estudos significativos até então divulgados) de
civilizações mais contemporâneas. O melhor ou o pior disso é que o
arranjador de não-lados e filósofo, Nietzsche, à época do referido axioma,
à sua maneira de pensar-atravessar-desligar, já corroia assim,
epistemologicamente, não-diagramático, o que se ensaiava ali perto a duros
modos (ou os mais suaves modos, em se tratando da recém-posta decoração
democrata na Europa à maneira dos leilões interestaduais, por declarações,
agendas e livros magnos conclusivos), evidentemente que explorados desde
antes e em outros lugares, mas que agora ali já se tinham meios de
confirmar a penetração dos novos modos em organização social e política,
acirrá-los, corrigi-los, repondo-os fosse o caso de uma falta de
conectividade, e por efeito, ter a medida certa de um fora da lei, se lida
uma sociedade por inteira, os contraceptivos das liberdades, mais ou menos
como vemos nos dias de hoje, ‘democraticamente’ falando. Ou seja, ali em
sua época, Nietzsche já convivia, senão plenamente dentro, ao menos com o
que já se podia chamar de espaço comum livre e contemporâneo, o trânsito
aberto menos penoso e raquítico das idéias, o povo adiantando-se, na
distribuição de direitos e legalidades querendo adiantar aos estados do
velho continente, os avanços de toda espécie na organização das
sociedades, principalmente as menos vacilantes em ordens de violência
divina, portanto atrevidamente morais (que, seguindo à risca a idéia
esclarecedora legisladora e monitora da melhor das sociedades, facilmente
se confundem esses mata-burros não humanos ou entidades decepadoras com os
possíveis gênios da raça, os de carne e osso mesmo, os viris) e as mais
bem equipadas sociedades no campo das artes em geral, seus artefatos e os
rumos apontados com isso. Assim a dizer, firmavam-se com essa
estruturação, com esses novos desembaraços de francas oportunidades
políticas aos homens só achados nas granjas e falanges livres autônomas,
os primeiros fechamentos (ou quarentenas solidárias?) nas usuras e nas
corruptelas, da parte dos mandatários irrevogáveis em lugares da Europa, a
valer mesmo ao povo, uma medalha picante e imaginária de sua identidade
central e original, este começando entender-se faixa importante na
constituição de uma e qualquer sociedade que fosse, que seriam e ainda o
são (e serão) elas um povo da mesma forma, por maiores ou menores, tantas
as castas repelentes, numa maneira aprovável de dizer, irremediavelmente,
nem com dilúvios e eflúvios, em quaisquer épocas. O povo é a sociedade. O
que já se basta.
O que já se basta? Mais ou
menos nesse tempo Nietzsche viria então com sua mais íntima porque menos
pública declaração de anestesia – ou mesmo balde d’água gelada em todos à
sua frente, antes só se quisesse, a si, contemplando: um povo é o rodeio
que a natureza faz até chegar a seis ou sete grandes homens – Friedrich
Nietzsche.
Por assim mais ou menos
tentarmos entender, toda a mediação democrática ali e aqui forjada, é que
o filósofo devia estar na mais alta ou na mais baixa sobriedade daquela
sociedade naquele momento em que se faziam anunciar coisas novas a todos
(ou a tolos se quisermos aqui usar de suas mais imediatas palavras
destrancadas). A ele não, não seria facilmente coagido: achava-se, a ele
mesmo, sem dúvida – e aí pilheriava com o que era ou o que deixava de ser
‘o povo’ – um dos seis ou sete grandes homens, senão de sua época, até
hoje; até hoje e desde que se começou a pensar e corroer e a superar desde
os traumas aos alívios incultos em soluções, valendo essa corrida sem
linha de chegada (creio que tampouco de largada) aos pensadores, aos
artistas e às igrejas de sempre, ele mesmo não querendo concorrer, ou
mesmo demolindo as instituições de toda ordem e desordem, vapor barato,
guinchando, e píncaro de faróis, solfejando, um homem solto nas nuvens,
não foi o que foi e não será o que é, dadas as nossas responsabilidades e
irresponsabilidades no comentário, epidérmicas, ele é do povo, nós aqui é
que talvez não o sejamos ao tentar admiti-lo / readmiti-lo – ele que, logo
após se declarar grande, em meio aos folguedos de democracia, não
justificadamente, não aceitaria votos forçados de nenhuma parte; entenda
Nietzsche, entenda povo. Como se democracia embrionária – não exatamente
embrionária, tentando propor-se e apertar-se cada vez mais, o que já soava
estranho esse “apertar” se o povo, logo que pelo menos simbolicamente
desatolado, pleiteava seus direitos (e daí não seria muito atípico do
filósofo alemão que ele controvertesse moralmente esses endossamentos e
contra-endossamentos, naquela época a ele esquisita da Europa) –, como se
a democracia ensaiada naquela época específica da Europa, e ainda agora se
tentando fazer, mas vinha de refestelar o Nietzsche do povo, mesmo e
fundamentalmente dentro dele, que faria hoje coro conosco: fazia-se
pressão, circunscreviam-se as liberdades (apenas sem os grilhões), eram
entregues certificados disso e daquilo desde que se deixasse fazermo-nos
os novos importantes, um quase parente distante a quase se considerar de
sangue-azul, chamar-se membro da sociedade, mas sem grandes homens, sem se
falar nisso. Como os palpites liberados e sem grande sentido hoje em dia
na escolha de um rei da mídia (um mídias) ou de um presidente da
república, ainda que do povo, pois usurparam-lhe, decoraram-no (e
reportarmo-nos ao termo usado acima na compreensão da incipiente
democracia européia), antes nos bastidores mais charmosos, os de interesse
secreto. Então, formalizava-se tudo aqui; e ali. Nietzsche retumbante,
sempre. Ainda que corroendo o que lá se tentava a duros modos, o que ia se
impondo até chegar aqui, se apertando, avançando os grandes mundos de
alguns pequenos homens, convencia-nos disso.
Mas certo é também que não
podemos nos desprender, sem esforços, do que ele aguçou em nós, agora
afastando-nos novamente do povo, mas não dos povos, se assim nos
entendemos e deciframos. Um povo é o rodeio que a natureza faz até chegar
a seis ou sete grandes homens. Forte a qualquer um se lhe faltar humildade
e a integridade até no simplesmente meditar. É preciso muito cuidado,
alguns dilúvios e muitos eflúvios, no campo da fé e das artes,
respectivamente, e sem violência. As coisas da natureza e trabalhadas nos
homens. E se como comentadores de uma contemporaneidade ultra-atravessada,
já desligada e calidamente alvejada, já temos muitos leitores e de
diferentes povos, culturas e maneiras de reagir às escrituras e aos golpes
de martelo ou pancadas nas costas, que não apenas a européia, já fazemos
bem; já não mais respondemos pela possível soberania da fala que por acaso
ou não, sóbria ou não, se impuser como líder nas fontes críticas e de
pensamento em uma e qualquer sociedade, até a fervura de uma futura,
provavelmente – a não ser que nos venham mais gênios da raça, outros ou os
mesmos deuses de sempre, artistas de massa a grandes níveis nos telões
imorredouros, os ditadores, em ondas nietzschianas não pensadas ou, de tão
bem pensadas, nietzschianas esmagadoras; e talvez com o andamento da
sociedade, as transfusões, os desprendimentos, viessem confundindo-se
esses grandes e únicos caminhos, o que seria ainda pior. Fazemos por
evitar. Somos polivalentes, apunhalados por varais culturais, o resultado
até o estado presente, conseqüentemente. Pelo menos a mim, escritor e
colunista, com apontamentos pessoais e resíduos de moral, isso me salva de
me achar grande coisa; salva-me de não poder definir tão facilmente meu
estado de sobriedade, o que seria irrespirável, já não havendo em quem
retumbar meus bravios e desacatos, devido justamente à multiplicação
cultural e à transitoriedade social, os ecos violados tanto mais não terem
o que fazer candidatos a “outros homens” (em sua maior parte sóbrios) e
não a “grandes homens” (em sua maior parte loucos), no meio das
democracias possíveis – esta nossa especificamente muito esquisita (como a
européia quando de sua instalação e à época de Nietzsche), gerada pela
democracia ainda que embrionária, já podendo se falar assim,
relativamente, em assunto a princípio tão indivisível – ali quando o
filósofo era um dos seus primeiros comentadores replicadores –, agora as
democracias subprodutos das democracias. Mas não falando em povo, nele não
havendo dupla-derivação. O povo ainda é o povo de sempre, não obstante as
definições que lhe couberam, a importância, o polimento, a tortura ou a
tarefa que se lhes deram, como o fizeram sempre, ausentado-o forçadamente
porque convidativamente, presenteando-o convidativamente porque
forçadamente. E este hoje não agradecendo ao filósofo, um dos grandes de
sua época, aí sim, sem dúvida, perverso. Os textos e frases ainda mexendo
na época de agora, entre nós pelo menos. E que já me referi antes que aqui
não estou na condição de povo. Quiçá amanhã? Descem-se as origens ou
sobem-se ‘naturalmente’ as castas? Alguém se arrisca a falar dos gênios,
ou a estar entre eles? Ou no povo? Ou no povo e entre eles, os grandes
homens propositores e modificadores, se, de fato, avançadas completamente
livres as democracias mundiais? Eu seguirei tendo fé e amando as artes,
estando de bom tamanho – que também esses itens dão cá e lá os seus
melhores caminhos aos povos, então às sociedades, de um modo geral, quase
sempre assim, suavemente como arrematando sem paranóia e estados de
espírito complexamente definidos – que ficam longe das indefinições. Nada
comportados como os quereriam. Às vezes, como o próprio e necessário
Nietzsche, controversos, ele mesmo revelando-se senão um gênio, como um
muito bem esforçado caminho ou um franco atravessador, desligando e
religando, à maneira de pensar, à maneira de eleger (em alguns casos se
elegendo, como também se esfolando mentalmente em outros), com fé e, por
sinal, muito artístico. Por essas e outras mesmo que continuamos povos.
Continuamos sociedade. Tentamo-nos democratas. Podendo ainda
comentarmo-nos. Podendo ainda rodearmo-nos, sem escravidão. Pelo menos
tentando tudo isso muito naturalmente (a natureza fazedora de todos os
rodeios; trabalhando dentro dos homens; o que o grande gênio alemão mesmo
nos fala) – o que já é uma dianteira ou uma inversão daquele Nietzsche de
ocasião, já muito satisfatórias.
Obs.: Talvez Nietzsche lá
trás, a respeito da citação aqui trabalhada, só tenha escrito o que
escreveu, por achar mesmo àquela hora que o povo já se saía fortalecido
com os avanços sociais, ainda que incipientes, concorrendo ainda hoje; e,
por mais que ele o atacasse em sua declaração, ia fazendo-se acompanhar
pelo mesmo povo, não mencionando em nenhum momento que os tais grandes
homens, seis ou sete, ou menos ainda que fossem, não seriam originários do
próprio povo, lutando e desfazendo-se dos que não quisessem se propor a
nada, talvez, e ele rebelando-se até contra sua própria origem fora do
povo, ou de onde ele imaginasse e pensasse ter surgido.
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