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joão pedro de sá
vôos e idílios
Vôo e tempo
O viaduto
é um meio de vôo
mais preso ao tempo
do que o ar.
Vôo e modo
Sapos são pássaros compactos,
já que o brejo prefere
a tabatinga às nuvens.
Vôo e aspecto
Fosse o ar um pouco mais denso,
nós o nadaríamos.
Guardaríamos o cheiro
gostoso pra tomar mais tarde,
depois do alvo café do fumo.
Tempestiva
Ilhas d’água flutuam no oceano aéreo,
até uma gota tropeçar no estrondo
e a luz
inundar de assombro e encharcar
o último espírito do meu homem.
Fá-lo saber a matéria de que é feita a força!
Movimento.
O primeiro poeta
Era das árvores.
Mistério e seiva ainda, a matemática,
o homem busca das pedras colher seu fogo.
Ouve, do vento (melodia velha
desde a primeira audição), timbres que açulam a nostalgia
de remotas pastagens balenais,
posta a carne fruto das poças.
Encontra, à noite, em abismos eretos,
o cunho da luz. Conciso alambique de ouro,
resistido por brenha e morcego.
Lagoa, porém, tenta ser terra e ser céu.
Caminho escuro. Presença pura.
Mas o sol vem dizer e dissipa a verdade.
Nosso homem, aí, investiga o verde.
Quer saber aonde foi o natural estado.
Se monta guarda na intenção de tudo,
sob a paisagem.
O verde não faz verbos, contudo, afeta,
e toda questão é patética.
Ao modo de monstro e pássaro,
sabida a lição das grutas,
humano, o personagem, entanto, morderá o tempo.
Cada inseto, uma criança. Cada movimento,
gesto, um nome. Dará alma à vida.
Os animais fugirão alados de medo
e à voz de seu peito responderá, grave, a montanha.
Semelhantes se ajuntarão ao redor,
compondo e bebendo seu canto
- um poema. Eis sua história criadora.
Augúrio ao presente fazendo
mostrar o embaixo da luz.
Castelo de cera
Que segredos fervem, da alquimia,
nas oficinas de escuras cavernas?
Quais cadetes que, suicidas,
militam em causa da pátria geléia?
De fêmeas estéreis que, aborrecidas,
poluem de ouro empilhadas celas,
quantas ramagens, no mato fruídas,
se contam ao fim de cada odisséia?
E quem madrinhas que dão saliva
por mantimento a qual fauna nuela
que bebe e, após, embevecida,
aumenta as fileiras de sentinelas?
E a gorda nascente da monarquia,
por qual quê se esconde à primavera
se todo um exército de seringas
empenha a existência em protegê-la?
A emergindo guardiã
Na terra sob os pés,
há garras e bocas
de um corpo de lama curtida
que vê séculos. E fica.
Recobre-se em olhos cadentes
que a vida retoma
e oferece à fome do sol.
Pascente,
o monstro aguarda o tempo
de esculpir no vento poemas
sabendo a vontades de água.
Tarde
Se baixa o sol no oeste, avisa
que o tempo dado é o de morrer;
que toda a luz que ao dia vibra,
vai abater-se em reticência,
vai dar-se à negritude densa,
a marche-marche, em dégradé.
Se o mesmo sol que morre, canta,
em seu declínio, uma canção
em tom menor, longas estanças...
a natureza pára, vendo
o brilho dourado e vincendo
do astro iente dar-se ao vão.
E canta, como todo deus
(que o sol é um deus que vive e morre),
pela boca dos filhos seus,
a própria ópera da vida,
à qual se avêm dançar solidas
louvando a vida - e nisto, a morte.
Tarde II
O brasido poeirado, pelo céu não mais azul,
neva. E faz sangrar nas nuvens uma aquarela de guerra.
São plumas de início e fim, as gotas de tinta que a terra
recebe sobre seus ombros. E come o vulto do sol.
Diurno
No couro de pétalas de um bebê
a estrela da vida
tintura urucum.
O dia
é uma lenta explosão de azul que inibe o medo dos becos
e em todo lugar
estabelece o encontro.
Melado
ou fresco,
faz do mundo imenso parque,
praça de tudo.
A pele nigérrima exulta brilho,
jóia polida.
Mulheres
cheiram mais forte, abrindo
caminhos na piscina de luz.
O salto dessa noite,
mais alto que nossas montanhas,
exibirá grinaldas de água e trovão.
São flores
que o Sol cultivou e colheu pra te dar.
JOÃO PEDRO é estudante de Literaturas da Faculdade de Letras da
UFRJ. Seus poemas foram selecionados para serem publicados na Confraria
através do concurso de poesia Corpo, Mundo, Terra, realizado durante o III
Encontro Nacional de Poesia e Pensamento, organizado pelo Núcleo
Interdisciplinar de Estudos de Poética da UFRJ.
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