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silvio fiorani rosas de Coleridge
Sonhei que acordara com o ruído da porta que se abria lentamente, e eu estava entre os lençóis, reclinado sobre travesseiros sobrepostos, como costumam ficar os convalescentes. Vi, de soslaio, que era Luísa, minha mãe, quem entrava, vinda de alguma dimensão desconhecida de sua existência [isto num tempo (o da vigília e o do sono) em que ali, em nossa velha casa, não havia mais ninguém, pois ela morrera, e também meu pai; partíramos todos: uns, para a viagem eterna; outros para a verdadeira vida a que estamos destinados]. Luísa viera, pois, para invadir o meu sono, enquanto eu ainda convalescia de uma moléstia não diagnosticada. E no sonho fingi que continuava a dormir, para que ela não interrompesse o caminho até minha cama. Aproximando-se, ela colocou-me algo entre as mãos postas sobre o peito, e eu só abri os olhos com o ruído da porta que se fechava; abri os olhos, e vi afinal a rosa branca que eu resolutamente segurava; e ali, ainda reclinado, recobrei a memória de sua morte, levantei-me e corri para ver se a via ainda uma vez, e acordei, e ao brusco movimento a rosa esfacelou-se, e era real por si mesma, embora desfeita, tão real quanto o fato inapelável de que minha mãe morrera. Eu jamais a veria outra vez. Com efeito, saí para o corredor e me dirigi ao quarto de Fabrício, meu irmão. Encontrei-o sentado junto à escrivaninha, lendo algo. Ela esteve aqui, eu lhe disse, e ele, nada respondendo de pronto, virou-se para mim e ergueu no ar o papel que eu imaginei que estivera a ler. Apareceu-me também, ele disse afinal. Deixou-me isto e partiu. Era uma folha em branco; o que lhe parecera altamente significativo, dado o ar de gravidade com que me olhava. Era um papel de carta, com sua marca d'água plenamente reconhecível. Senti naquele momento um intenso calafrio, acordei ou imaginei que tivesse acordado. Eu estava de fato reclinado sobre travesseiros sobrepostos. Não havia nada mais sensato a fazer, eu pensei, que ir até o quarto de meu irmão e contar-lhe o que acontecera.
SILVIO FIORANI participou ativamente da geração de escritores surgidos
dos anos 1970, juntamente com João Gilberto Noll e Sérgio Sant'Anna.
Escritor consagrado pela crítica desde seu primeiro romance O sonho de
Dom Porfírio, publicou Os estandartes de Átila, A morte de Natália,
Entre os reinos de Gog e Magog. Em 2006, ganhou o premio
Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, pelo melhor romance publicado em
2005 com Investigação sobre Ariel, que encerra a trilogia iniciada
com o romance A herança de Lundstrom, seguido de O evangelho
segundo Judas. Seus contos originaram algumas dramatizações, como é o
caso de De repente no verão, interpretado por Lázaro Ramos.
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