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luiz felipe leprevost inverno dentro dos tímpanos
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O começo foi muito bom. Mas depois, a coisa degringolou. Vi que os dias corriam diferentes quando a gente se escutava. Sempre um improviso. De repente Deus podia existir, seria legal se isso acontecesse. E isso parecia estar acontecendo. Mas logo acabei entendendo que só os bisturis conhecem o subterrâneo das pessoas. Acabei entendendo que os seres mais sofisticados também podem gostar de baladas de amor cantadas pelo Fábio Junior. Eu devia ter sacado que água oxigenada e carne-viva só convivem bem depois do primeiro minuto. Eu devia ter contado que quando era criança colocava ataduras ao redor do punho e da mão pra que os outros pensassem que eu havia me machucado e ficassem com pena de mim. Não sei que tipo de pessoa eu seria se não tivesse freqüentado escolas particulares. Não lembro de me ver crescendo. Quando dei por mim era isso, um homem que ama uma mulher. Tinha um inverno dentro dos tímpanos. E já tava tão cansado.
paralelepípedos encharcados
o pão de ontem
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Eu não sei como essas coisas acontecem. Sinceramente, não sei. A garota do cabelo encaracolado... Sei apenas que tem o momento em que ela pára de falar, e aí eu paro de falar. Então ela fica mexendo a colher na xícara vazia, e eu fico desenhando abstrações no guardanapo. De repente ela diz algo do tipo entre filósofos e amestradores de baratas de comercial de inseticida, eu fico com a segunda opção. É isso, tem esse jeito alegre da gente ser triste. Tem esse compromisso de querer que doa. Tem todos esses papeizinhos amarelos da Redcard esquecidos na carteira. Tem as 208 caronas que tô devendo pra ela. Tem pedaços do doce que comemos juntos dividindo a colher. E ela sempre dizendo coisas do tipo repara como as moscas esfregam as mãos antes de chupar o doce.
bicarbonato de sódio
Pro Alexandre França
Não somos nada sadios, somos o
tipo que tem pêlos encravados no lado de dentro da coxa. Temos caspa,
mau-hálito, barba por fazer. Temos micose saltando igual asas das costas,
frieiras entre os dedos dos pés. Não lavamos as mãos depois que mijamos.
Não, não somos nada do bem. Derrubamos passarinho com cuspe. Fugimos do
amor como quem foge da FEBEM. Somos da porrada, garrafa quebrada de
cerveja abrindo cicatrizes. Nosso carinho também é agressão. Um dia
sorriremos sem dentes, ou com as presas de um Wolverine. Sorriremos para
estas castradoras de homens como fôssemos sadomosôs convictos. Diremos,
engordurados: Para me digerir, neném, só com colheradas de muito
bicarbonato de sódio.
LUIZ FELIPE LEPREVOST é poeta, autor do livro/CD Fôlego (2002) e dos livros Tornozelos deitados (2005) e Ode mundana (2006). Curitibano, atualmente mora no Rio de Janeiro, onde cursa artes cênicas no Centro de Arte de Laranjeiras. Recentemente teve encenada a sua peça Tua passividade me embrutece, no Festival de Teatro de Curitiba.
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confraria do vento |