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ericson pires


tecido pele



 

seis Horas


1.
 

Cobrir o tempo de sins. Cair na terra. Tentar ter terra. Abrir as mãos no ar. Lançar mãos. Manter músculos tensos. Passar no ventre do dia. Encontrar dia na noite e noite no dia. Esticar o tempo na mão. Jogar o peão. Raspar lixos no instante. Poder o instante. Esquecer o começo de novo. Esquecer de novo.


2.


Andar sem sair do lugar. sem sair do lugar. Andar na frágil ponta do talvez. Talvez, esperar de novo. Esperar: o novo de novo de novo no novo. Fechar o círculo. Fechar o cerco. Estar fechado no cerco. Cada mentira leva a uma verdade que não pode ser dita sem ser mentida.
Medida rompida.


3.
 

Aqui é o ponto mais distante do agora. Não poder ir. O tempo é sim e o rastro é simples. O que se move termina. Continuar terminando. Manter a roda rodando. Cada instante é um sol. Abrir cada olho. Sentir o sol. Cada instante queima. Cada quimera cerca. Manter rígido. Manter de pé. O som de cada tempo brota sins. Agora é gemido do sim. Tudo é som que se expande.



conversa com Iara


me preparo para mergulhar
as coisas nunca foram simples
todo amor é necessário
inevitável: vitórias régias

me lanço no tempo
simplesmente sacar a arma
todos lançados (dados) na mesma
necessário tecer: vitórias régias

- destemido é viver no olho do furacão: Quantas vitórias régias cobrem um lago ? Quantas flores nascem no lago? Quem mora na vitória? Onde está a rainha? Estou nu -

mergulho nesse pântano
é quase sempre luz
tenho algumas memórias
beijo sempre : vitórias régias

- viajar parado: sobre a superfície do lago se encontra a rainha plainando com os lábios abertos os braços abertos os olhos abertos tudo no mundo cabe num botão flor voraz destemido é beijar a vitória deslizo e mergulho e deslizo e mergulho e deslizo e mergulho superfícies não terminam meu nome é novamente sim -

me preparo

estou nu



fiação

1.


ainda parada sobre a ponte. o túnel desperta o labirinto. ainda quente sobre a sombra. a linha esquece o meio fio. ainda que nade sobre a luz. o quente rela a boca fria. ainda aqui. novamente aqui. esteja em nenhum lugar. esqueça teus nomes. esqueça o que já ouviu. continue por essa rua. diga: as palavras são frutas molhadas. corra: as luzes não param de brilhar. mesmo que você não. mesmo que você não saiba. mesmo assim. não a sim nem não onde morrem os vaga-lumes.


2.


as antenas reproduzem homens. tudo que nasce se esvai. o princípio é o princípio nunca existiu. tudo que se esvai continua. as formigas têm antenas. as abelhas têm antenas. as baratas têm antenas. os homens reproduzem os homens. tudo se esvai. resto. as formigas continuam. as abelhas continuam. as baratas. as antenas. ninguém é nada sem seu desejo. os espelhos reproduzem homens. o homem acabou. sobra desejo. sobra força. sobra o que continua. ninguém pode esperar sem seu desejo. o destino é o desejo. o desejo nunca existiu. o desejo é o desejo. resto.


3.


cada janela abre fechada. muitos pedaços não pintam um quebra-cabeças. algumas histórias nunca serão ouvidas. o possível. as linhas dos morros são curvas. os postes multiplicam afetos e eletricidade. o sol vem nascendo sempre. o real. não há nada que seja exclusivo. o doce. o salgado. pouco importa. o que importa? os subúrbios exalam. os corpos exalam. os lixos exalam. a cidade transpira. e tudo segue. sem você ou sem mim. siga. os carros. a luz. os quartos. as janelas. siga. os elevadores. a prisão. o ventilador. a miséria. segue. segue. em você ou em mim. segue. e que se abram todas as portas. o apartamento está escuro. as janelas estão fechadas. você sabe. lá fora é também aqui dentro. tudo segue.
 

 

o tecelão caminha


O fio da noite é também o fio do dia.
Todo tecido é a invenção do dito.

O tecelão segue:
Tecer o sol no dia a noite no dia o ventre na terra a terra no tempo
Tecer a memória na casa o esquecimento na árvore o vínculo na água
- A água sempre
escoando escoando -
Tecer a palavra - cada palavra - ponto a ponto traço a traço
Tecer a palavra a si mesmo
Esquecer a palavra mesmo
Tecer a si mesmo enquanto palavra esquecida

Tecer um tecido
um tecido líquido espesso
um tecido roto único
um tecido vivo
Palavra:
Trair o tecido inventar palavras
inserir cada nova linha em seu meio
Trair a linha cantar palavras
catar cada outra dobra que vela
Trair a dobra dobrar palavras
dobrar sobre elas a outra superfície

Tecido palavra sem fim

O tecelão segue


 

ERICSON PIRES é poeta, performer, doutor em estudos de literatura e cultura pela PUC-Rio e  músico, integrante do grupo Hapax. Autor dos livros Cinema de Garganta, pela Azougue editorial, Zé Celso e a oficina-uzyna de corpos, pela Annablume, e Cidade Ocupada, que sairá em breve pela Aeroplano.

 


 

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