karinna gulias
sem cores, o infinito seria água
Minha avó
Minha avó é psicótica
corpos enterrados no jardim de romãs.
As cascas de minha avó se inumam
(vários instantes cômodos e cômodas
se descascam em corpos quebradiços)
Minha avó come corpos alheios e dor
corpos que esculturam o Tempo.
Beberete
Árvores que circulam esferas de horizontes, trópicos,
habitam a luz
crescem no fio
E raízes entram por dentro de nossos narizes
e nos fincam o pé no chão.
Na ausência da luz, a luz
e o fim
que se perde em si. – Esquecemos...
A luz mora na memória
E nunca esquece que é luz de árvores
e corpo de cores.
Sem cores, o infinito seria água.
Suspiros velhos
Boca de palhaço quer nadar
em aquários desposados.
Seus últimos suspiros são fraldas descartáveis
sujas de cocô
gemidos que descolam a língua
e cai no chão.
Seu corpo uma guloseima de ossos crus
sustentado por espinhas e espinhos
Seu prazer de chocolate derretendo na língua
ver seu corpo sendo servido. Mudo.
As nuvens – Entrada
As nuvens procuram formigas no mato
Com seus sabujos de espuma
Correm entre a relva atrás de aves
Escondem-se embaixo de árvores e arbustos
passa. A lua entreolhos
olhicerúlea
pantera de um olho amarelado
Das folhas que acenam adeus
Ficam saudades de areia e vidro.
O nome de uma figura –
Fruta
Só conhecemos o nome de uma figura
depois que ela vai embora
Escondida entre tronco, a mulher que se transforma em árvore
é mulher-árvore
e nada a mais.
Tudo é aglomerados
condensado por hífens antes-e-depois-de-partir –
Até postes e torres de tensão são hifenizados –
humanos já entraram e saíram de ruas e casas.
(Sem título)
Dos postes que atravessam os fios e transformadores
a cena p&b do mato sobre o asfalto e o asfalto
grafite
A paisagem distante
paraíso dos olhos
colore a íris
e o fundo de olho projeta.
Das casas, nós.
telhados vítreos. CARNE. tijolos escondidos
no cimento.
A carne cabe dentro da medula
e pensa o mundo mato e céu.
Árvore
Debaixo da árvore, uma pantera –
seu olho rondando a raiz do humano e do seu conhecimento.
A pantera vela o sonho
dos que não ousam abrir as pálpebras e encarar sua figura.
Os que abrem – Retira-se a pantera.
– A pantera se contradiz em cores.
A pantera é arvore de noite e de dia;
ela dá o lugar àquela mulher que se esconde.
A inumação da cama
Um velho empalhado em colchas de sal
sob o sol engradado.
Na casa há crianças
(velhas)
– É carne seca do jantar?
Um anil de fundo de corpo
de extremos pesados e inúteis.
Não, não está nada azul. Perguntou?
Do vão da boca saem
árvores que sobem o
horizonte.
Árvores que constróem
tronco
de uma Árvore maior;
pedaços de espírito que
se descolam aos poucos.
Como quem cachimba a vida
e se inuma...
Uma boca de palhaço está de cama
é vermelha sopa-de-beterraba.
(Sem título)
A quadratura se faz na boca da roca – seu contar
Dom Coser
comia cabeças de madeira
com atos linhas
envoltas
teia linho, felá!
Torcendo o corpo e sangrando a trama
(servos percorriam espaços
de lado a outro
a fazer tela tramada)
tealinhas fiada: Elaurde; a espada faz pelo fio;
o nome
mandalas anunciam pontos.
KARINNA GULIAS é
formada em Letras pela UFRJ. É produtora gráfica, tradutora e poetisa. Seus poemas
estão sendo publicados pela primeira vez aqui.
voltar ao índice |
imprimir
|