revista

 

editorial

e créditos

outros

números

envio

de material

editora

cartas

dos leitores

links

contato

 

 

 

 

 

 

 

 

roberto alvim


diário de guerra
 

 

 

Lua cheia. Não dava pra ver ainda, mas ele sentia a porra do sangue borbulhando fervendo correndo rápido em silêncio. Sorriu pro espelho e viu o monstro acenando de volta. Achou o monstro simpático e decidiu que naquela noite ia apresentá-lo mais uma vez pras meninas do Baixo.

Isso é um Cemitério.

Não. Um Cemitério tem mais dignidade. Esses caras não estão mortos. Estão só castrados.

Frankie Amaury me aborda no banheiro enquanto eu estico a terceira, falando numa merda de sotaque castelhano com sua boca quase sem dentes, um hálito miserável. Você não é rico, Frankie? Conserta essa merda dessa boca, eu disse olhando pro solitário pardacento pedaço de estalactite que brotava triste de sua gengiva. Ele fala e cospe no meu olho e eu lavo quinze mil vezes na pia, você matou o teu chapa, Frankie, você matou o Amaury?, eu digo só pra ele parar com o tal sotaque. Mas ele começa a gritar como um louco que vai destruir minha vida e os garçons ficam de olho na gente e eu penso ele está velho demais acabado demais e se eu bater nele agora não vai ter graça nenhuma quebrar a estalactite, ok Frankie, eu acredito em você, e nem precisa se preocupar muito em destruir a minha vida porque eu já estou me encarregando disso, cuida dessa boca meu chapa.

Lá fora.

Não, não era Lua cheia, não tinha porra nenhuma brilhando no céu além das toneladas de lixo que flutuavam a partir dos meus belos olhos fudidos.

Tunga no balcão. Puxo um papo sobre como é mais fácil pra eles, artistas plásticos, fazer arte hoje em dia. Eles vão direto pra questões de essência, pra universalidades abstratas, com um discurso sub-reptício de que isso é política, de que é uma postura desobediente mexer reinventar essas esferas da imaginação esse instaurar de novas realidades que pra nada servem, mas que podem ser inventadas e que podem funcionar segundo lógicas próprias e inalcançáveis e enigmáticas. É mais fácil pra vocês, eu digo praquele terninho amarfanhado. Aí a porra do viado começa a gritar também que nem o outro sem dente eu penso estou com sorte hoje e nem é noite de Lua, grita que ele não é eles, que eu tenho que respeitá-lo, você me respeite, moleque, e eu percebi que o bosta nem tinha entendido o que eu tinha dito talvez porque estivesse bêbado demais talvez porque esteja já vivendo inteiramente dentro de alguma porra de solipsismo desses que ele gosta de inventar e vender por milhões, e aí uma mocréia feia pra caralho que deve limpar o cocô das fraldas do velhinho e alimentá-lo todos os dias de manhã com um belo boquete veio e me afastou do gênio dizendo que eu era um chato, o que não deixa de ser verdade. Xinguei um pouco a dupla de burgueses vendidos pedantes sem alma mortos aproveitadores e depois achei eles tão ridículos – o caboclo que virou animalzinho exotique da corte européia e a coitada que lhe lambe o saco em busca de alguma recompensa em forma de prestígio ou grana – que me virei e fui embora.

As notas amassadas, a bosta do pó de 10 custando 50 na mão desses filhas da puta que se comportam como teus chapas e que depois te ameaçam de morte, a tampa da latrina, tirei a roupa e subi na mesa e ofendi as pessoas e elas todas acharam isso muito engraçado.

 

 

Roberto Alvim é dramaturgo, diretor, ator e professor de História do Teatro na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). Autor de 11 peças, seus últimos trabalhos no Rio foram: PELECARNESANGUEOSSOS, Todas as Paisagens Possíveis, Qualquer Espécie de Salvação, Às Vezes É Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho, Vagina Dentata e Mundo Pânico. Atualmente exerce a função de Diretor Artístico do Teatro Ziembinski.

 


 

voltar ao índice | imprimir

 

 

confraria do vento