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serge pey
o espelho que come a estrela - 8 poemas traduzidos SERGE PEY ocupa um papel de destaque na atual poesia francesa. Escritor, professor, dançarino e improvisador oral, ele redige seus textos em bastões de madeira e em tomates, com os quais realiza instalações rituais de seus poemas. Nestas, como numa espécie de rito xamânico de auto-possessão, ele cozinha versos em panela de pressão, dança com os bastões e sobre os tomates e recita numa entonação ritmada e batida, remontando, por vezes, aos jograis da idade média (e encontrando uma ponte bem próxima com nossos repentistas nordestinos). Sua poesia é fundamentalmente popular, é a poesia na praça, que vai do canto à escrita, da palavra ao gesto, do aforismo ao grafite. Apesar da aparente simplicidade de sua linguagem, seus temas são da mais complexa metafísica, mas, ao mesmo tempo, caminham pela via misteriosa em direção ao inominável. Quando interpretadas por ele, suas obras se apoderam de um fogo místico, reenviando a palavra à sua origem, à energia inicial e constituinte da aparição do mundo.
Como teórico, autor de artigos e de críticas de arte, defendeu em 1995 uma tese sobre a poesia oral La Langue arraché, fundou o movimento de poesia direta e as revistas Tribu e Emeute, além de organizar marchas pela poesia por toda a Europa. Ficou especialmente conhecido pelas suas tomadas de posição pública pela defesa dos direitos humanos e pelas suas diversas obras contra o Apartheid.
Sua obra está traduzida em diversas línguas e já foi várias vezes interpretada pela Radio France Culture. Esta coletânea, traduzida por Márcio-André, é sua primeira aparição oficial em português.
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O ideal de um mapa mundi é ser sem o mundo (O maior ideal de um mapa é ser o contorno de uma terra inexistente)
O ideal de uma estrela no céu é ser sem a noite (O maior ideal de uma estrela é ser a luz no centro da luz)
O ideal de um atiçador na fogueira é ser sem a mão que o segura (O maior ideal de um atiçador é ser a mão que o queima)
O ideal de uma asa é ser sem o pássaro (O maior ideal de uma asa é ser o céu no qual voa)
O ideal de um calçado sobre o caminho é ser sem o caminho (Todo ideal de um calçado é ser o céu que ele não calça)
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Cantando recortamos sem mexer os lábios daquele que nos beija pois temos fome de ter fome e vingamos nossa boca de ter sido comida
De tanto olhar o céu fazemos mancar o infinito que não cessa seus passos de mendigo cego
A noite lhe dá às vezes sem nós a moeda de uma estrela
A beleza que se perde nos ama sempre de nos ter perdido
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A poesia não é uma solução Nenhuma solução é uma poesia
Uma pedra não é um fenômeno ótico Nenhum fenômeno ótico é uma pedra
Uma cadeira não é um homem sentado Nenhum homem sentado é uma cadeira
Essa cerejeira não é uma árvore Nenhuma árvore é uma cerejeira
A neve não é Uma luz Nenhuma luz é uma neve
A poesia não é uma solução Nenhuma solução é uma poesia
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O espelho que come a Estrela torna-se mais velho que o ancião mas o ancião que reflete a Estrela cumpre uma outra vez sua nascença
Os pássaros que bebem no sol não queimam e nos olham empoleirados numa cratera de dez milhões de graus
Nós escolhemos entre três olhares
Aquele que faz nascer o espelho
Aquele que retorna o espelho
Aquele que quebra o espelho
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Eu tinha decidido jogar uma pedra no fundo de mim
Uma pedra numa outra pedra
Queria construir minha alma com saúvas espinhos de flores conchas de caracol
Uma pequena casa que diminuiria sem cessar até o Infinito suas três vogais ou suas três risadas (i,i,i) depois suas consoantes (n,f,n,t)
ou as letras de teu nome como dados jogados na ordem e que escreveriam meus outros nomes na poeira do algarismo
Separar a vogal da consoante é o primeiro trabalho que encontra o nome
Separar a consoante do que resta É o segundo trabalho Para ver o Nome
Mas separar o Nome de seu Nome É escutar o Nome
E sobre a parede pinto ainda as iniciais do pertencimento secreto colocando somente pontuações no negro
( , , , .)
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Procuramos a pedra para a ler desfazer a roseira do espinho à pétala
Encontrada tal pedra preenchemos dela nosso coração depois a bebemos em seu vaso
Então reedificamos uma roseira que recita a mulher que nos ama coxeando no futuro
a lua pesada que ela tem nos braços não é seu filho nem seu cão
mas uma lâmpada de carne mas uma luz de carne
quando ela nos dá seus dedos quando o vento avança em seu Norte
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As frutas que juncam o solo estão cobertas de cabelos brancos
Cabelos brancos crescem também no meu sangue
Eu desejara findar o infinito fundar uma casa numa outra casa
Eu procurava o coração de vidro que supria o sol
O sol que também tornara-se branco
O sol cujos velhos cabelos de dona partilhavam as nuvens com a fumaça de um avião
O sol que distribuía suas imagens sem medida na ordem de um nome desconhecido sem jogo pois os jogadores tinham conhecido a regra só depois que perderam a partida
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O mar seria também Um animal do ar que teria bebido toda a água dos rios
que tomaria a lua num assalto em plena noite com um grito
MÁRCIO-ANDRÉ (tradutor) é poeta, contista, músico e fotógrafo amador, autor apócrifo dos livros Movimento Perpétuo e Chialteras. Faz mestrado em Poética na UFRJ pesquisando arte, pensamento oriental e outras esquisitices, e integra o grupo Arranjos Para Assobio, de poéticas experimentais (http://arranjos.confrariadovento.com). Atualmente trabalha na tradução de poesias de Arnold Flemming, Serge Pey e Bernard Heidsieck e edita as revistas literárias online Confraria e Improvável (www.improvavel.com). Suas páginas são www.marcioandre.com e http://marcioandre.confrariadovento.com
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