“Quando
ando pelas ruas do Rio e de Salvador, os signos corporais transformam meu
corpo europeu num outro ser”. Isso foi dito por Henri-Pierre Jeudy. Quando
esteve pela décima vez no Brasil, em 2005, e lançou seu livro Espelho das
Cidades, o filósofo-sociólogo-escritor pensava na espetacularização das
cidades como mote de suas propagandas. Hoje, na Confraria, ele pensa no
último cigarro fumado pelas ruas, ilustrado por Paulo Ponte Souza, ao
mesmo tempo em que celebra conosco memórias de Arnold Flemming, militante
da vida, escultor de verdades e mentiras belas. Cuidado: este Flemming não
é aquele da vacina, este talvez seja o próprio vírus!
Clicando num ícone do desktop do passado nos deparamos com o naipe
afro-cubano de Buena Vista Social Club e sua sensualidade, não vemos
Habana Vieja espetacularizada. Seremos videntes e veremos espectros.
Ghosts de um mundo antigo, de fausto apócrifo, de riquezas saqueadas,
ruínas da história. Wim Wenders o gravou em vídeo digital. A tecnologia
mais avançada resgatando a tradição mais conservadora. Seria o ouro sobre
o barro, ou o barro sobre o ouro. Ou o diamante sobre as asas, ou o desejo
do ouro e a necessidade de possuir asas, sei lá. Wim Wenders e Jeudy
dialogam nesse número de nosso devaneio. Um, assassinando tabagistas, e o
outro, colocando anjos sobre a cidade.
E como a música entra por um ouvido e engravida o outro, lembramos de
Gerardo Dirié, compositor e poeta. E atenção: lembrança não como ruínas
escondidas na memória circular. Algum filósofo já disse que lembrar é
vergonhoso, pois só se lembra do que se esqueceu, do que se sepultou. Não
é o caso desse Gerardo, nem de outro. Somos nós os esquecidos neste
continente do português, nós os esquecidos pelo resto do mundo, que se
comunica. A música é verde, esperançosa e a dele desce sobre nós — os
nossos mais misteriosos nós. Música para limpar a cidade, para varrer as
casas, para descongelar os olhos. Que o diga o guardião da arca Hagiwara
Sakutaro, com seus meandros poéticos, esquecidos na ilhazinha do
sol nascente.
Uma outra história misteriosa é aquela de quando os negros tomaram Cubatão
e sanearam seus horizontes. A afirmação, diga-se, é dúbia. A antiga boate
Crepúsculo de Cubatão era bem a metáfora. Assim como à pergunta “ — Faz-se
poesia em Bagdá, hoje?” toda resposta será tardia e ruidosa, a presença de
Marcelo Ariel, oriundo dos negros de Cubatão, e de Nelson de Oliveira, nos
fez pensar na pergunta mais instigante e insignificante: — Qual Geração
90? Senhores, queremos agradecer o ano que passou, queremos conceber o ano
entrante, queremos perceber as passagens e as reentrâncias, queremos
perecer perenes. Modestamente, não queremos ser “manuscritos de
computador”. Bon voyage!
Os editores