“A
terra é redonda como uma laranja”, afirmara José Arcádio Buendía à sua
amada Úrsula. Esta convenceu-se de sua loucura, mas Macondo cumpria sua
saga e nada poderia deter a civilização. Perplexo diante das maravilhas
trazidas pelos ciganos, entre elas um tapete voador, Buendía idealizava
instrumentos, solitário. Seu modo de ver o mundo, circunscrito aos limites
de sua aldeia, tornava-se um elemento incômodo à vida pacata e leve dos
seus conterrâneos. A citação de Cem anos de solidão é apenas para receber
seu autor, Gabriel García Márquez, em nossas páginas virtuais.
Se a loucura é uma marca de exclusão, seja ela, a loucura, doença ou saúde
mental, nós adentramos os seus labirintos. Se alguém viu Estamira, Marcos
Prado, seu diretor, vem até nós, através de suas fotos do lixão de Jardim
Gramacho e de seus loucos a céu aberto, ilustrando, em nossas páginas, a
auto-exclusão dos excluídos. Enquanto a Stela do Patrocínio reencarna, ao
avesso no tempo, a Estamira de outrora e de sempre. Entretanto, olhando
pela janela, fica-nos a pergunta imutável de Augusto dos Anjos: “Para onde
iremos, montados nesse cavalo de eletricidade?” Sabe-se apenas de uma
parada gay sob bombas em Jerusalém. De um Papai Noel pedófilo, preso em
Nova York. De uma bomba-atômica testada com sucesso na Coréia do Norte.
Não há de ser nada. Allen Ginsberg, hip excluído de um mundo "quadrado",
eivado de uma oralidade contundente, fala-nos de um tempo sem tempo para
uma poesia sem amarras. A música de Iva Bittová e a narrativa de Wiltod
Gombrowicz, também excluídos pela distância e exotismo do leste europeu,
apresentam-nos um cenário entrecortado por adagas mágicas, fecundado por
figuras lépidas e acordes dissonantes.
Antes do Natal, antes do Ano Novo, ouçamos atentos os conselhos dos
tarólogos: aprendamos com quem dá as cartas. Se cartas marcadas, se cartas
na manga, se cartas de navegação: sejam todas epístolas de
bem-aventurança, de boas novas. Todavia não esqueçamos que haverá sempre
um lugar em que nada se cria, nada se transforma e tudo se perde. Não seja
aqui. Vamos nos lembrar, neste último número de 2006, que a Confraria
cumpriu sua sina de circunavegadora. Não arriou velas, não baixou âncora,
não quis qualquer porto. Navegar será sempre preciso, viver é que é
impreciso!
Os editores