|

|

o novelo de odradek | victor paes
este ensaio tem
final surpresa
1
Ver duas vezes o mesmo objeto é sobrepor objetos. Pois a palavra objeto
não se conforma nem dentro de uma caneta.
Ver duas vezes o mesmo quadro é substitui-lo por sua reprodução.
Cada vez que se ouve uma música, ela começa em uma nota a mais ou a menos
(e o tempo nos encartes é sempre uma aproximação).
É raro um filme terminar nos créditos.
...
Bem, até confessamos que isso tudo seria, sim, muito óbvio. Mas agora
deixou de ser quando alguém aí no fundo gritou: “eu paguei por isso?!”
2
O final surpresa é um advento de inteligências intermitentes, acostumadas
a se espetacularem. (Isso é um conceito. E como conceito, vem para se
espetacular. E como conceito, pronto a se render a qualquer obra de arte –
dá conta de uma verdade, mas basta um Cortazar...) No cinema, espetáculos,
o final surpresa sustenta a supremacia do roteiro, mais estética que arte
propriamente. Mas quando o questiona, dobrando-o sobre si mesmo, um pouco
mais, então, de arte. A princípio, todos os finais surpresa são assim,
essa metalinguagem explícita. O problema é que o final de um filme não
pode ser simplesmente o final do roteiro. Senão o jogo estará sempre
ganho. Em alguns casos isso é tão assumido, que o final surpresa gerencia
já o trailer. Em outros, ele é prometido e não entregue, em uma postura
digna de ser levada ao Procon. Alguns diretores se escravizam por esse
tipo de final e quando um filme poderia já acabar com dignidade, inventam
um sonho ou uma máquina de se alimentar de sonhos. Nada contra máquinas,
veja bem...
3
Agora há nos dvds finais alternativos, que são finais surpresa dos filmes
que não têm final surpresa.
4
Qual seria o final surpresa de um filme sobre a vida de Cristo? Que ele
era filho de Deus? Ou de um filme sobre a vida de Lady Di? Ou sobre o
Titanic? Filmes sobre...
5
Suspense é incerteza.
6
Cortazar: “A tensão, em si, é anterior ao conto. Às vezes, há seis meses
de tensão para que, depois, em uma noite, se escreva um conto. Creio que
isto se nota em alguns de meus contos. Nos melhores, há uma carga, uma
espécie de dinamite.”
7
Bibliografia:
Coração satânico. Efeito borboleta. O gabinete do Doutor Caligari. O
bebê de Rosemary. Dogville. Cidade das sombras. Oldboy. A vila. Identidade. Clube da luta. A última tentação de Cristo.
Seven.
Casa de areia e névoa.
Aviso: alguns desses filmes têm final surpresa...
8
Yada, yada, yada...
VICTOR PAES é
escritor, ator e professor. Foi premiado pelo Prêmio Jovem Artista,
da Rioarte, com o texto teatral Os Cálices do Deus, que depois foi
apresentado no Projeto Nova Dramaturgia. Foi publicado pela Editora
Record, na coletânea do Prêmio Nossa Gente, Nossas Letras, da Oldemburg.
Integra e faz a direção cênica do grupo instrumental Arranjos para
Assobio.
voltar ao índice |
imprimir
|