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guennádi aigui
estrelas têm superfície
GUENNÁDI NIKOLAIEVITCH
AIGUI nasceu em 21 de agosto de 1934, numa aldeia Tchuvashe (uma
região russa à margem do Rio Volga habitada pelo povo Tchuvashe,
“russificada” na década de 40) de nome Shaymurzino. Escrevia,
inicialmente, em tchuvashe, passando, posteriormente, para o russo. Autor
de inúmeras traduções e trabalhos teóricos no campo da estética de
vanguarda, Aigui, pode-se arriscar a dizer, é um dos poetas menos
compreendidos no próprio país. Um poeta que foi traduzido e publicado na
Alemanha, França, Tchecoslováquia, Suíça, Dinamarca, Finlândia, Bulgária,
Turquia e Japão, teve seu primeiro livro editado na Rússia somente em
1991.
Alguns poemas seus já foram traduzidos para português pelos irmãos Campos,
fazendo parte de uma antologia de poesia russa do século XX. Os poemas
abaixo (traduzidos por
George Yurievitch Ribeiro)
são, porém, inéditos.
Aigui escreve em versos brancos. É “formalista” numa perspectiva
realista. Aigui é onírico por auto-definição. Porém, a melhor
definição tanto da sua poesia, quanto de sua figura, vem de uma declaração
feita pela compositora Sofia Gubaidulina:
“Aigui – você é o meu silêncio”
Cinco Matrieshkas
(Para o nascimento do filho Andrei)
O que foste ver no deserto?
será que um cajado balançar ao vento?
Lucas,7,VII.
1
Eu sou
2
agradecimento
ao ar – ventre segundo
3
com a idéia
Você nos envolve
como em seda
4
no Tempo nós – como em composição
do velo
da Natureza
5
Em Si
Envolva
***
como neve Deus que é
e é que é neve
quando alma que é
neve alma e luz
mas tudo eis sobre aquilo
que aqueles como morte que é
que como eles e é
é assim que é e não
e somente com isso é
mas é o que somente é
ó Deus de novo neve
mas seja o que é eles não há
neve meu amigo neve
alma e luz e neve
ó Deus de novo neve
e é o que é neve que é
Silêncio
1
no invisível crepúsculo
de saudade pulverizada
conheço o inútil como os pobres conhecem a última roupa
e trastes antigos
e sei que essa inutilidade
é justamente a de que o país necessita de mim
segura como um acordo sigiloso:
silêncio como vida
e por toda minha vida
2
No entanto, calar – é tributo, e para si – é silêncio.
3
acostumar-se a tal silêncio
que é como coração inaudível em ato
como aquilo que é vida
feito certo espaço dela
e no aquilo eu sou – como Poesia é
e eu sei
que meu trabalho é difícil e é por si só
como no cemitério da cidade
é a insônia do zelador
Verso-peça
(Obra para palco)
Palco vazio, fracamente iluminado.
Uma voz próxima (algo semelhante a: “aaa”), como que nada expressando.
Uma longa pausa.
Golpe – como na parede – atrás do palco.
Fragmento (ao mesmo tempo – “uno”) de um coro sem palavras, lembrando
cânticos das preces.
Golpe forte – como na parede – atrás do palco.
Uma longa pausa.
Longínquo grito de terror – se possível, “infinito”.
Luz no palco aumenta até a clareza máxima.
Versos com canto
Primeira voz
simples (mente) nuvem é simples (mente) árvore
simples (mente) campos e casas
(e todos eles estão aqui como você)
e todos eles estão aqui também como eu
Segunda voz
me afastei da árvore e para sempre me distanciei da floresta
algo decolou nela do rio
(pássaros desapareceram mais transparentes que grama)
cada vez agora menos dela –
e:
Coro
(Canto sem palavras, crescendo lentamente)
Vista com árvores
Noite. Pátio. Aos pássaros
nos galhos toco – e não decolam. Formas estranhas. E algo humano – numa
calada compreensão.
Entre figuras brancas – uma observação tão viva e completa: una, como se
vendo a minha vida toda – das arvores escuras: a alma.
***
VERSO-TÍTULO:
BORBOLETA BRANCA, VOANDO
ATRAVÉS DUM CAMPO COMPRIMIDO
Há
(Verso-improvisação para palco)
Ator, umas 30 vezes, com
diversas entonações, em diversas posições(andando, sentado, em pé,
pensativo, pomposo, em desespero, e etc.) repete a mesma coisa: “Não há
rato”.
Entra um segundo (ator), e começa a fazer o mesmo.
Terceiro (ator), quarto,
quinto... (Acontece o mesmo). Todos, – cada um, também, entrando em
contato com o outro, – continuam fazendo o mesmo: “Não há rato”. Até que
aconteça “algo” na sala, que termine o espetáculo.
E:
após um ano
(Depois da morte do amigo)
Àqueles
que sabem
Uma hora da madrugada.
Nesse tempo e l e dormia.
E dormiam a q u e l e s.
Pela frente estavam: despertar, desjejum, almoço.
Alguns assuntos a resolver. Metrô e ônibus. (Carro, - qualquer coisa a
consertar nele).
Andanças. Passos.
C l a r e z a do o c u l t o na alma – cada vez mais clara – se tomava.
Coisas sem importância – nos organismos (vitais).
Nos bolsos – e a q u i l o , e coisinhas “comuns”.
Vinha. (Já dá para contar os passos).
(São dois: s e vê facilmente. Com quem? – mas é c o m A r da R u a!).
Respirantes.
Trocados, líquidos (vida-autonomía).
Passos – em sapatos. (Mesma será também mais tarde – a roupa).
Fivelas, cintos, - como todo mundo têm (na vida tudo será útil (e)
depois).
C l a r e z a d a q u i l o – mais acelerada – nas almas (para todo, –
explicam, –
...Universo... –
com cérebro líamos algo tão confiante-alto).
Elevador. Amorfa unidade dos
instantes. (Pode-se entender, também, como números-segundos).
Passos.
(Por um tempo – acelerada-retumbante).
Um ano. 26º. Uma hora da madrugada.
Dormem. Coisas sem importância – nos organismos
(auto-crescimento-e-desenolvimento). Coisinhas. Isqueiro. “BT”. (Ou
“Prima”). “Dymok”.* (Vê infalivelmente – a janela).
Embaciamento-do-ano-incessante. Coisas sem importância – feito trocados
nos bolsos. Como nas dobras – poeira, besteiras,
migalhas fisiológicas.
No ar, algo – pela manha.
(G R I T O).
“A vida já vem passando...” “No-S”.
Com brilho – não será.
Dia – como-Elevado-Ofuscado. (E À q u e l e – é necessário também).
(Fácil – como pôr um roupão).
Como, ainda, após a banheira, bolotas – em si – esfregar: ora o corpo
parece próprio, ora uma coisa
estranha.
O mais facílimo (é possível cantar) mundo, para se ocultar.
(Clareza. Não é todo – de bolotas).
(Cretino de Lápis) Instantaneamente – buraco. Muitas coisas vêm à tona em
nos (nos – como País-
Neblina) ao ver tais como.
Mas – de alguma forma, vejam só: s e V ê!.. – com a Luz? (“No-S”!) – ou
que seja então: c o m A r! (A visão – é justamente –
para Casa de Loucos).
Um ano.
(“Aniversário” – para vós também).
* “BT”, “Prima”, e “Dymok”: marcas de
cigarro russo. N.T.
GEORGE YURIEVITCH RIBEIRO (tradutor) nasceu em Moscou, mas vive no Rio de Janeiro
desde 1994. Cursa a faculdade de Filosofia da
UFRJ e paralelamente, realiza trabalhos de tradução do russo para o
português. Essa é a primeira publicação de suas traduções de poesia; são
trechos de uma antologia de poesia russa do século XX, ainda em fase de
elaboração, que se propõe a apresentar ao leitor de língua portuguesa
poetas ainda desconhecidos, ou pouco traduzidos.
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