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o novelo de odradek | victor paes
mais sobre Edmundo
Castelo
Nota para meu texto anterior:
Em minha
coluna da 2a edição da revista Confraria do Vento, mencionei o escritor
argentino Edmundo Castelo como uma personagem de um sonho. Fiz isso como
referência a seu conto autobiográfico El alma a, de seu livro Concejo
Municipal, publicado em 1997.
*
Conheci Edmundo Castelo em meio aos poemas de um sarau em Buenos Aires.
Era a primeira vez que eu saía do Brasil. Na segunda vez, convite dele:
uma semana em sua casa, em Bolívar, tempo em que meu nariz sangrou sempre.
Ele me contou que esse sangue era ainda resquício da poesia ruim que eu
respirava, sendo expulsa após eu ter passado por “bons ares”.
Discutíamos arte no café da manhã, que durava até o almoço. No almoço,
líamos até a janta. Após a janta, chimarrão até o café da manhã ficar
pronto (na fórmula de seu chimarrão havia sementes de uma planta chamada
mutuo, que nos mantinha extravagantemente acordados). Advirto: até aqui,
tudo fatos. Após o mutuo, muito daquilo que me lembro desses dias pode ser
fruto dessa extravagância.
Castelo tinha duas esposas, uma delas bastante agradável com as visitas.
Após três dias, a outra esposa também já era agradável. E eu retribuía sua
agradabilidade à medida de mais ou menos mutuo. Castelo foi nos deixando
cada vez mais a sós, a ponto de no sexto dia eu nem tê-lo visto.
Particularmente, acredito que após tantas conversas sobre poéticas,
imagens, ouvidos e ventos, ele havia se esgotado e, na falta de si mesmo,
substituiu-se pelas esposas. E elas falavam várias línguas, algumas das
quais eu pude responder. Enfim, tive a impressão de ter me divertido ali.
Castelo é assim. Costuma dizer que o frio de sua cidade, apesar do
costume, o faz tremer e ele se aproveita disso para “embalar algumas
palavras frias em seu peito”. Eu lhe disse que essa sua frase só podia ter
sido inspirada em novelas (que, a propósito, ele surpreendentemente
assiste como quem as escrevesse). Tipo de frase de quem metaforiza
qualquer objeto à frente, de quem transforma palavras em bichos e
personaliza as mais abstratas idéias. Posturas de uma certa preguiça (pois
só escreve mal quem tem preguiça de escrever bem). Quanto às nossas
discussões, é suficiente destacar algumas de suas frases de que me lembro
e que não são de novelas:
- Depois que inventaram o termo “realismo fantástico” comecei a ter
pesadelos com Poe.
- Se o conto é um nocaute, a poesia é um golpe baixo.
- Escrever é fazer valer o não-escrever.
- Viver de arte enjoa.
- Dinheiro só se rouba para fazer arte.
VICTOR PAES é
escritor, ator e professor. Foi premiado pelo Prêmio Jovem Artista,
da Rioarte, com o texto teatral Os Cálices do Deus, que depois foi
apresentado no Projeto Nova Dramaturgia. Foi publicado pela Editora
Record, na coletânea do Prêmio Nossa Gente, Nossas Letras, da Oldemburg.
Recentemente, como sócio da Editora Confraria do Vento, assinou sem saber
pedidos de empréstimos no valor de milhões de reais, tendo como avalista o
escroque argentino Edmundo Castelo.
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