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jorge melícias
o alastro das foices
Em tempos de traição/ as paisagens são belas.
Heiner Müller, O Anjo do Desespero
Procuro a antecipação de uma veia.
Disponho os ferros
sobre a premeditação do movimento.
(a longa blasfémia, 2006)
Do fundo assomam as áscuas
e nos tubos do pensamento lavra
uma limalha estásica,
pronta à convulsão.
Toco na cabeça
a tuberosa calcificação da loucura,
uma faixa sísmica
encavilhada entre as têmporas.
(a longa blasfémia, 2006)
Sobe das lentas tubagens do medo,
coloca-se no meio das cabeças laudativas
como uma emanação coaxial.
Ele é a asseidade do nome,
o selo que reverbera de dentro
quando as cavilhas fecham as córneas.
Que onde pise entenebreça.
(a longa blasfémia, 2006)
Hão-de levantar-se das corolas do apocalipse,
as jugulares estuando de uma ferocidade acúlea.
Serão sobre a paisagem
uma caligrafia errática,
o timbre em que deus susteve a nota.
(a longa blasfémia, 2006)
Elas são por dentro da ideia
uma efabulação ignívaga: as dragas.
Progridem nas aluviões
como cirros insanes.
Trabalham no sangue a alegoria.
(agma, 2008)
Acalento a saturação dos campos,
o alastro que pressaga.
Sobre a mão que ainda tende
pousarei o anátema.
E nada se levantará das múrias.
(agma, 2008)
Escorço sobre a cal
uma teoria da desolação.
E onde a resiliência
da pedra
toca a exacção da fractura
sucedo ao remorso
como uma cegueira ágona.
(agma, 2008)
JORGE MELÍCIAS poeta, tradutor e editor português, nascido em 1970.
É autor de Ahagahe (1994), A um deus de olhos de graça (1995),
Iniciação
ao remorso (1998), Incubus (2004), A longa blasfêmia (2006) e
Agma (2008).
Tradutor de Elogios, de Saint-John Perse, Conselhos aos jovens literatos, de Charles Baudelaire, entre outros.
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