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rod britto
expropriações invejosas III
amassando como devorando (continuação)
2 – A CULTURA DAS LAJES, e o que aparentemente não pode se faz ali, sem
opressão alguma ou oficialidade proibitiva, mas igualmente com alegria e
as peculiaridades do Rio de Janeiro.
Felizes os que conseguirem se manter de pé ao fim do churrasco. Untando o
estômago de carne, lingüiça, de asa. Mantendo os copos muito mais gelados
do que cheios. Em se achando, nós, meu compadre. É pra quem sabe, não é
mole não. É duro, dureza, meu patrão. Pode tocar o dedo nas vigas, pode
dar com a marreta. Manter isso aqui de pé, foi dureza, e agora? Nada de
figa, só santo, só reza. Ah, ah... Trata-se aqui de laje dura, pode crer,
sustentada, trabalho árduo pra conseguir terminar. Mas conseguido; podem
chegar. Aqui rola de tudo, quem sabe somos nós. E enche aí o copo dele, o
do patrão, faça-me o favor, meu compadre, faz na boa...
Acontece isso mesmo. Nego vai fazendo, subindo laje toda hora, terraço
sólido, de solidário, chão de concreto como a camaradagem, e é ali que
quer botar o seu mundo, fazer e inventar ao seu jeito o seu particular. Na
hora de confraternizar, não dá outra, não pensa em mais nada, chama,
convida, intima, dão ordem, mudam a coisa toda. Só dá a laje. E é isso,
assim que rola, no Rio de Janeiro é assim, a cultura da laje, do ‘aqui
fazemos e faremos como quisermos’, vê se não vacila, não bebe demais e
cai, alto pra cacete malandro, verdade. É verdade que quem faz a lei. Tem
nego que põe até quatro andares a mais, faz por fora do oficial, e depois
ainda lança laje, pra fechar a obra com chave de ouro, pra celebrar, e dá
logo uma mega-inauguração. Ninguém podendo esperar o que pudesse
acontecer. Quem faz, faz do seu jeito, mostra disposição em
particularizar, põe nome; e faz assim para personalizar as relações,
chamar todo mundo, tratar conversa coletiva, comunitária, oscilar no vai –
não vai, comemorar alguém em especial, alguma conquista da área. Até
porque onde ocorrem mais lajes soltas (13) é mesmo nas comunidades mais
carentes da cidade do Rio de Janeiro, nos bairros menos abastecidos de
tudo, nas vilas médias, ou mesmo pobres, nas casas de industriais e
ex-industriais do subúrbio carioca e entrando Baixada Fluminense, nos
conjuntos, nas favelas onde elas estiverem, só vista pro rio, pra vala,
pra baía, e nos bolsões amortecidos de taipa, por meio de queimadas, as
liteiras de papelão sobre rodas, é tudo um horror; assim na falta nítida
do lazer e do desporto, a começar, além de opções seguras como pontos de
encontro, lugar de manter atividade social, sem seu clube e dependências,
ou nas próprias portas das casas, como já pôde ser o entediado do dia,
numa época passada, nesses mesmos locais desfavorecidos, se comparados com
as zonas mais abastecidas e ricas da cidade, podendo-se apenas observar
livremente essas, hoje, de modo essas provocarem, lá – senão longe, ao
menos diferente dali, então aqui – as ininterruptas lajes, aprimorarem
cada vez mais a cultura livre, territorializada e sem lei dos pagodes, os
encontros e patuscadas sobre as lajes, todo mundo querendo ser convidado,
ou nem precisa, ou ter a sua laje, dignidade, lazer e sossego, quase
sossego, seu espaço, de domingo a domingo, às vezes é assim. Sirvam-se,
pode sim, desse passeio cultural e gratuito do nosso Rio de Janeiro...
O que também acontece é que pela escassez de opções muitas vezes causada,
provocada, pelo excesso de opções e visibilidade em outras áreas – e daí a
má distribuição de lazeres íntimos e coletivos (14) como a má distribuição
de renda proporcional e até esta a primeira anunciadora do problema senão
a causadora como também a mantedora oficial do problema (15), até aqui
inexorável, ainda sem resolução, veja-se sempre apenas a sua progressão,
como a estatura e desenvoltura das lajes, nas partes da cidade
desfavorecidas de pontos de lazeres sociais – é que, sem maiores problemas
ou tensões esse modelo de cultura, de uma prática já fixamente periférica
e cultural (16), e de atitude em fazer o que quiser em sua área, sem lei,
desde que seu território, ou seja, a sua laje, da parte de quem é colocado
muitas vezes irremediavelmente em sua classe, obrigado ali, é que por ali
também passam como continuarão a passar para a festa, aos encontros, às
inaugurações, aos trabalhos e às homenagens santeiras, pessoas de toda
espécie, a cultura das lajes e do ‘pode chegar, podem subir’,
principalmente muitas das pessoas ou grupos ou organismos oficiais de
pessoas mais bem estruturadas que de uma forma ou de outra os obriga, aos
menos do que eles socialmente, menos na sociedade mesmo (17), possamos
assim, a se circunscreverem ali, numa laje de prazeres aprisionados, de
isolá-los em cima, dignos sempre de uma visitação de todos, cultural, e sem
desculpa, sem outra saída, sem outros lazeres – ali seriam até os
encontros restritos sem outras medidas que os fizessem reclamar mais alto
as suas coisas mais imediatas (18), como sempre ocorre nas posturas e
imposturas das lajes cariocas, neguinho gritando e o som alto pra valer.
As oficialidades estranhas ali são recebidas, chegam, sobem, muito falam
como ouvem, divertem, bebem, comem, dançam e em seguida vazam pelos
cantos, escoam; portanto, pós-patuscada generalizada socialmente, mas
muito bem isolada, deixando levar, à maneira da vista grossa poderosa,
particularizam em seus mundos exclusivos, não obstante, irrestritos. Logo,
vão aos seus lazeres privados, quase íntimos; estes que por vezes, ao
contrário da exposição ilegal dos altíssimos lajeados, são subsolos, às
escondidas, numa inibição dita e querida legal, exemplar, numa forma ideal
de restrições e diferenciações sociais almejada por todos, até porque não
deixam essas formas de convivência pessoal, consigo mesmos, pessoas
oficiais, divertimento legais, de serem distribuídas virtualmente e
expostas publicamente, como não o são expostos deliberadamente os pagodes
fraternos e coletivos das lajes sociais e que, sem dúvida, sob a versão
oficial, nada exemplares para a sociedade – ou quem sabe nem tão legais
são os oficiais, ou se existirá mesmo oficialidade ou legalidade, ou
exemplaridade ideal, mas quem já os dirá. Nas lajes, churrasco, apitos,
reclame, crianças, algazarra, políticos, ricaços, doutores, marginais, o
falatório, os oradores de ocasião, pode chegar, podem subir, lajeados,
aqui corre solto. Pois o povo mesmo, gente da boa, gente de fé, apesar dos
anúncios, das tvs e das revistas, continua convidando, sabe-se lá o porquê
disso...
Dependências sociais, na falta de, que dependem de...
Territorialização de Laje Carioca = área de dependência social irrestrita
ao tempo que sitiada. Uma pena cai de cima, e quem ainda está por aí...
“ – Eu já passei
Por quase tudo nessa vida
Em matéria de guarida
Espero ainda a minha vez
Confesso que sou
De origem pobre
Mas meu coração é nobre
Foi assim que Deus me fez...
E deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu...
Só posso levantar
As mãos pro céu
Agradecer e ser fiel
Ao destino que Deus me deu
Se não tenho tudo que preciso
Com o que tenho, vivo
De mansinho lá vou eu...
Se a coisa não sai
Do jeito que eu quero
Também não me desespero
O negócio é deixar rolar
E aos trancos e barrancos
Lá vou eu!
E sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu...
Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu...” (19)
Além Deus, exemplares então são as escadas livres para as lajes, no pode
chegar pode subir a esses todos lajeados, os de cima, no último andar, no
mais alto de fé, incluindo aí além dos costumeiros, dos penetras, das
cunhadas de fulano, dos vizinhos de alguém, daquele que nunca traz nada,
vem sempre de mão abanando, coitado, ordinário, são os exclusivíssimos
oficiais, freqüências também habituais, os ilegais que aqui são legais,
mas que, aqui, bebendo, discursando, ouvindo, senão transformam totalmente
mantém pelo menos por horas a ilegalidade em algo legal, por suas simples
presenças, suas filhas, sobrinhos, conhecidos, padrinhos, compadres,
turistas, alemães, franceses e afins. Muitos trazem apenas palavras
tranqüilizantes. Fazem a sua horinha, brindam, fotografam, honram,
partilham, socializam, apropriam mais esse tamanho lazer, aos seus, essa
cultura aprisionada no alto. Além Deus, além deles, quantos mais chegarem
melhor, utilizam-se todos numa mistura cultural, salada e molho à
campanha, dali para infringir numa parte maior da sociedade, na sua massa
– sem dúvida a dos menos abastecidos de tudo – a sua campanha social, pelo
coletivo, pela conveniência e pela convivência, a aceitação social. Eles
que também se isolam, ali, se apropriam da festa, do pagode na laje,
marcam presença, e, culturalmente, expropriam deles mesmos, porque assim
não se deixam aprisionar todo o tempo e no simples aumento da renda e do
prestígio–tempo–privado–oficial que se lhes cabem, em seus clubes
particulares, em seus patamares, órgãos legislativos, familiares e
jurídicos, para onde se dirigem depois, sem qualquer ressentimento. Então,
das escadas da dureza, ilegais, se utilizam, fazem-nas um meio oficial,
também de prestígio; e se eles se apropriam da coisa, da batucada de
domingo na laje, sem escusa, é claro que, além deles mesmos como ‘abaixo’
já referido, assim, eles expropriam também a laje, a cultura da laje,
imprimem com sua força legalidade ali, e o pode e o podem agora é mesmo
conseqüência de poder, de poderosos sociais peritos na cultura de
expropriar, torna-se lei, entram esses hábitos e formatos (20) de cultura
– agora a das lajes cariocas, com a sua sociabilidade indelével como
inadiável – mais uma vez nos catálogos de quem seja que quiser tomar parte
em alguma cultura, por horas, ser daquela cultura, e logo declarar ter
mais alguma cultura (21), ainda que dessa vez, se antes sem lei,
desordenado, gratuitamente, os expropriadores bem mais políticos e ideologizantes do que comerciantes e negociadores de cultura, mas ambos
expropriadores agindo livremente por aí. Franqueiam assim a todos a
cultura dos outros, que os mantenham, pelo menos os originais da
resistência no telhado, ali sitiados, divertindo-se, convidando,
abrindo-se socialmente, se nem por toda parte mais isso será possível – e
se um dia o foi, não se sabe também. Então, mais uma carninha aí, por
favor, doutor...
Sejamos também alguém nessa concorrência, sempre desleal. Viemos sempre
apontando nesse trabalho de pensar e não só penar, ou simplesmente penar,
que somos e podemos ser também os expropriadores invejosos desses
invejosos expropriadores de culturas, de culturas dos menores que eles,
com menos poderosos, com menos alicerces... Alicerces? Mas se esses não
caem mesmo, seguram muito bem as lajes, como asseguram e legalizam com a
subida franca e amistosa das escadas a ilegalidade do que se faz
livremente e sem hora pra terminar nos terraços construídos sem permissão.
Sejamos também expropriadores de cultura a esses que têm a cultura de
fazerem os catálogos de visitação e admissão em culturas, e levarem seus
filhos, netos e amigos para dentro de locais estranhos e com pessoas
estranhas e menores do que eles, e por momentos territorializarem ali,
sempre fogem dali, mas é assim; ou lendo, a cultura deles de isolarem-se
numa bem menor parte de tempo de seus dias ou noites, bem escolhidas e
agendadas, dentro dos já por eles mesmos isolados, pedaços de concreto,
isolados postos acima, abafados, amenizados, nos ares, sem força do ar que
imprima força aos seus reclames diretos. E se os alicerces disso, como o
são a má distribuição de renda, em primeiro, e, logo, a quase total
inexistência de locais de lazer e desporto inerente a isso, às sociais,
são mesmo essas pessoas estranhas ali com seus hábitos e costumes,
formatos culturais de terem e de distribuírem, ainda que por alguma grande
pena, apenas virtualmente, seus lazeres e desportos, fazerem eles
campanhas disso, seus discursos, materializações de discursos e ideais –
por sinal parece-nos que isso só quando há grande distância das lajes, pois
juntos, ali, as campanhas são irresponsavelmente amistosas, a favor da
confraternização social, até injustificáveis por isso, e se não, apenas o
molho mesmo a juntar com a salada –, parece-nos então, melhor,
aparenta-nos então, que devamos ser seus amistosos expropriadores já que
eles amistosa, abafada como amenamente se apropriam daqui das lajes, né
comadre, vem, se achegam, vão subindo, conversam numa boa, petiscam,
agradam, entram numa, sociabilizam alguma vez, colocam-nos em situação,
literalmente, mas virtualmente. E como se Deus controlasse a subida,
controlemos as descidas; por que não? Aqui não tem lei, criou-se assim,
não venha oficializar, não! Empurremos já eles da laje, simples. Agora que
estão altos, e se vão falando de igual para igual. Não havendo muros
altos, tem sempre onde cair, um local de perigo e escoamento, invejosos
somos, minha comadre. Empurra também. Deu mole e eles já retornam para os
seus locais lá embaixo, sem demora, já foi, caiu, pronto, aos seus
subterrâneos, então, tchau seu doutor, tchau. E esse aí também que nem me
trouxera ao menos um prato de chouriço, uma língua, nem uma garrafa de
cerveja sequer, nem imagem de santo nem pratinho dessa vez, agora eu
reclamo disso, grito bem alto, pra todo mundo ouvir, que pena, nego, que
pena, que rache lá embaixo a cabeça, essa é a prece que eu falo pelo resto
da semana e até a próxima festa que salve, dia de domingo, dia de encontro
com o homem, que já tô meio assim, também pudera, a gente fala, chia,
fala, e até aqui não deu nada, que vire tudo bife como o que tu traz, um
ali pra mim, derrubado, pra untar o estômago, firme igual santa laje, aqui
pode vir quem vier, o meu pessoal é assim, neguinho, é assim, tô te
dizendo, firme, mas que inveja que dá... (22).
13 – Na maneira e na postura já habitual de se construir, desenfreada como
desordenadamente, sem vigilância alguma, porque de um modo geral são elas,
as lajes, quase sempre sólidas, bem fixadas antes de usadas, venham
reuniões animadas, os pagodes e as festas – às vezes testes de resistência
tirados na prática.
14 – Se bem que os mais favorecidos de renda na maioria das vezes,
acompanhando o avanço da modernidade e do comportamento oficial na
sociedade, já optam por apenas seus prazeres mais íntimos, senão os mais
próximos e fechados somente a alguns – aos parentes, por exemplo, ou nem
tanto – evitando vizinhos ou aglomerações, pessoas estranhas a si e
desconhecidas, o coletivo gratuito, inoportuno e solícito, de um modo
geral, cada vez menos partilhando socialmente em seus locais que deveriam
ser os de convívios apropriados, estes que se restringem cada vez mais;
agradável ou desagradavelmente, vale lembrar.
15 – A má distribuição de renda como causadora e mantedora oficial de
muitos problemas no Brasil e no mundo, nas periferias e nos lugares
classificados como subdesenvolvidos, e não apenas no Rio de Janeiro, como
o é no caso aqui, eis, que se dá por ora rebelado.
16 – Agora em teoria, práticas culturais semelhantes e derivadas que vem
se perpetuando (ainda que sempre não oficialmente, mas em alguns momentos,
quem o dirá, apoiadas por poderes estabelecidos) de várias formas desde o
começo da história no Brasil. Não fossem os quilombos negreiros de séculos
passados, talvez não chegássemos às lajes hoje em dia, mal comparando,
dadas as disparidades inequívocas além das circunstâncias e épocas; mas
também as lajes, um derivado da libertação e da possibilidade de confluírem
ali seus semelhantes para a participação de meios e linguagens em comum,
consoante a verificação do preenchimento de uma lacuna social. Ou seja,
práticas culturais com motivos parecidos, derivações de resistências
históricas a partir das expropriações invejosas, também históricas. Mas
não nos confundamos: os quilombos o foram decisiva como ‘quase’
forçosamente por motivos de segregações; as lajes, já são por motivos de
comunhão racial e/ou social, amenidade e abafamento, por mais das festas e
dos pagodes, essas animadas quase como nos quilombos, áreas de libertação
simbólica, mas não entendidas assim por seus participantes menos oficiais,
vale dizer. Nos primeiros, a resistência incontrolável; nas segundas, os
cultos amistosos de solidariedade e oficialidade, mesmo que confiada esta
dentro da ilegalidade aparente, exterior, territorializada, ainda que
aberta, no sentido deste estudo rebelde, participante. O surgimento de
ambos é que, como dito acima, foi semelhante, por motivos de separação e
exploração e, logo, libertação; todavia, com o divagar que as
circunstâncias históricas no Brasil e psicológicas no ser humano mundial
tomaram, os quilombos foram devastados; as lajes, participadas,
oficialmente falando.
17 – Mas que são esse ‘menos na sociedade’ muito mais em quantidade na
sociedade, em número de pessoas e aglomerados de pessoas, não restam
dúvidas; e aqui novamente a péssima distribuição de renda e poderes no
Brasil.
18 – E numa metáfora indesejada, por muito alto que estejam, quanto mais
altos estejam todos sobre as lajes subidas ilegalmente – mesmo que ainda
assim e até por isso quase oficialmente, no entanto, sem atestado,
deixadas acontecer e ferver –, mais se perderão e cada vez mais nesse
imbróglio simbólico as palavras de reclame pelos ares. Imbróglio simbólico
este que acusa toda a realidade, e não há muito que reclamar disso.
19 – Letra de Serginho Meriti e Eri do Cais, sucesso na voz do sambista
Zeca Pagodinho.
20 – A menção aqui a formatos de cultura, como que uma coisa pasteurizada,
é por terem algumas culturas, como essa dos encontros sociais em lajes no
Rio terem sido, a partir de algum momento, oportuna como politicamente,
utilizadas e mantidas de alguma forma por alguém ou por instituições
oficiais, na vontade do ‘deixa correr a coisa, deixa ser’. No caso das
lajes, seriam ali senão as pontes, as escadas de safena, coisa interior,
invisível a olhos nus, mas de grande importância à saúde dos interesses,
objetos e objetivos dos órgãos legais da cidade. Mais uma vez é o dito
ilegal quem paga a conta hospitalar do chamado legal, assim mediante.
21 – Embora ‘ter mais essa ou aquela cultura’ seria uma marca evidente dos
expropriadores culturais comerciantes de cultura, que o fazem por
dinheiro; ainda que indiretamente, só não aparentemente, todos os tipos de
expropriadores o fazem pelos mesmos objetivos, com o fim do livre e
insaciável acúmulo de prestígio e bens, uma meta cultural nunca atingível,
até por isso cultural, sem fronteiras nem divisas, e até por isso repito
aqui o primeiro escrito deste mesmo trabalho: “Hoje em dia, no campo da
apreensão cultural e de seu desenrolar, não é muito difícil observarmos o
quanto algumas coisas são adaptadas para atender a outras, na busca de
entreter e gerar fáceis lucros – qualidade maior e irresistível sempre
notável da raça humana”.
22 – Algumas das construções de idéias, metáforas e exemplos desse
pagode-trabalho, suas qualidade e eficiências, foram tentadas, pelo menos
tentadas, à imagem e semelhança do que achasse que pudesse ser uma junção
entre o oficial e o não oficial, entre o legal e o ilegal, em nossa
sociedade permissiva como opressiva, socialmente falando. Enfim, acredito
ter ficado conjeturando, dançando e cantando, sempre em cima de uma laje
inacabada, mas bem firme, sobre vigas e alicerces reais, não me rebelando
nunca em poeta, por dessa vez não arriscar beber, penso eu.
ROD BRITTO é
jornalista e escritor, autor dos livros Barriga D”Água e Os
Infames (junto aos poetas Guila Sarmento e Xisto da Cunha, os outros
Infames, que seguem em atividade, propondo leituras e linguagens paralelas
à poesia gentil). Participou também dos livros CEPensamento, pela
Editora Azougue, e República dos Poetas, uma Antologia do Museu.
Atualmente, é um dos organizadores do evento multimídia CEP 20.000.
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