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mar-abr 2006
Um ano
de Confraria!
Em seu
primeiro ano de existência sobre a terra, ainda que nas abstrações de
tubos catódicos e lâminas de plasma, a revista Confraria buscou, a todo
custo, elevar-se, nesse espaço virtual e quase sempre pouco levado a
sério, ao patamar de uma revista de carne e ossos. Queríamos provar, desde
o início, que a viabilidade econômica e de acesso proporcionada pela rede
não significava necessariamente pobreza e leviandade. Da mesma forma,
queríamos mostrar que discussão sobre arte e pensamento não precisa ser
sinônimo de sisudez e academicismo. Sempre nos incomodou o fato de
pesquisa só servir para pesquisadores. No fim, a palavra de ordem foi
"democratização", da leitura, do pensamento, da arte, e do que estava
sendo produzido de mais atual em todos esses domínios. Queríamos usar o
próprio sistema para contaminá-lo por dentro. Nada mais democrático, nada
mais generoso e anárquico que uma raiz orgânica infecciosa na infovia de
elétrons e simulacros ou no sistema de punhetação a vácuo dos narcisos
acadêmicos.
Assim, durante um ano, publicamos acadêmicos loucos, poetas sóbrios,
artistas plásticos que se levam a sério, vagabundos elegantes, agentes do
governo, seres subterrâneos, profetas sórdidos da maquinaria capital,
contistas frustrados ou não, contraventores e contrabandistas, argentinos,
músicos. Hoje, todos amigos, membros de uma confraria que acorda e dorme
do sonho de se fazer arte neste mundo que preferiu excluir o poeta.
Num levantamento rápido deste primeiro ano de vida da Confraria, é poss ível
ver a biodiversidade, a total falta de preconceito teórico ou ideológico,
o desejo pela diferença e pelo debate, num planeta geometrizado pelas
identidades. Na tentativa de transgredir a barreira do previsível e
apontar o invisível, a revista publicou material, sempre inédito ou com um
mínimo de exclusividade, de poetas quase desconhecidos no Brasil, como
Serge Pey, Guenády Aigui, Ghérasim Luca, Rafael Alberti, “recuperou”
textos desaparecidos como os de Heloísa Maranhão, Qorpo Santo, Ernest
Fenollosa e Julio Cortazar, apresentou novas facetas poético-artísticas
como as de Jean Baudrillard, Charles Kiefer, Edmundo Castelo, ou
simplesmente manteve um portal direto com o público para novas publicações
de autores como Fernando Bonassi, Luiza Lobo, Ferréz, Leila Míccolis, Luiz
Rohden, Marco Polo Guimarães, Gerardo Mello Mourão, Fabrício Carpinejar,
Rodrigo Garcia Lopes, Roberto Alvim, ou de novos autores, dezenas deles,
alguns publicados pela primeira vez, tornando a revista Confraria um
espaço de contínuo movimento, debate, leitura, novidades. Sem falar das
trilhas sonoras e dos artistas plásticos que ilustraram maravilhosamente
bem cada uma de nossas edições, Antônio Jardim, Roberto Corrêa dos Santos,
Sol Marrades.
Por isso, para esse primeiro aniversário da revista, resolvemos
comemorar em grande estilo. Isto é, queríamos dar ao nosso público o
material mais rico e competente que nossos parcos recursos e incompetentes
editores pudessem dar. E se a revista comemora um ano, nada melhor do que
aproveitar e homenagear aquele que está prestes a completar 90 (em 2007), o escritor Gerardo Mello Mourão. Alguém que precisa ser mais lembrado e
comentado pelas novas e velhas gerações. De nossa parte, podemos dizer que
ele é, no cânone dos editores da Confraria, um dos maiores escritores de
língua portuguesa de todos os tempos. Independente do que se diga dele,
seu trabalho está aí para provar sua importância.
Foram
dois meses de trabalho duro para que tudo saísse perfeito. Visitas a Anna
Bella Geiger, ao Gerardo Mello Mourão, escolha de imagens, digitação de
manuscritos, telefonemas para o professor Emmanuel Carneiro Leão, para
Ferreira Gullar, e-mails, e-mails, muitos e-mails, textos por e-mails,
viagens dos colaboradores, escrituras entre compromissos, um problema no
servidor. Enfim, uma corrida contra o tempo. E tudo saiu perfeito, e
(quase) no prazo. Pelo menos 90% como prevíamos. No fim, a geocarpia
editorial de um ano, refletiu nesses dois meses, rendeu frutos com polpa
sólida: um ecossistema intelectual inter-relacionado pelas mesmas
questões. A geopolítica derridiana, o globo das viagens náuticas de Paula
Glenadel fez reflexo na geologia plástica de Anna Bella Geiger com suas
orbis descriptiones. A geopoética musical de Carneiro Leão e seu Mozart,
na geonominação divina de Gerardo. A geonímia tradutória de Heidegger e
Manuel Antônio de Castro se converteu na micro-geologia de Ferreira
Gullar, com seu musgo, seus caracóis, seus mapas desenhados no muro, ou na
geoeletrônica de Laurie Anderson e sua misteriosa Juanita, que surge do
silêncio de um templo budista, como a nomear o próprio silêncio.
Sabemos que a revista Confraria ainda tem muito a aprender, mas ela é a
nossa sincera oferta e contribuição ao mundo e a vocês, leitores. Uma
tentativa de, a cada dois meses, redesenhar novas formas para a crosta
terrestre, com menos muros e algumas pontes. Queríamos agradecer a todos
aqueles, colaboradores, leitores e críticos que ajudaram a revista
Confraria a ser o que ela é hoje. Pedimos que continuem lendo, continuem
mandando textos, continuem criticando.
Um sincero abraço,
Os
editores
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