|
editorial
O
filósofo Constantin Noica, romeno, apontou seis doenças do espírito
contemporâneo e apresenta o Homem como “o ser doente do Universo”. Desce
sobre nós, a precária humanidade, as mais abstrusas alucinações. Uma delas
é o que se chama de África. Fala-se do continente como um só, inteiriço,
nivelado coágulo. No que tange à África de expressão lusa, o dedo
indicador é mais acusador e não costuma dividir, por autoritário, as
nações com suas peculiaridades. Fica-se o trinômio: Portugal, Brasil,
África. Como disse Mia Couto: é míope.
Este número da Confraria destaca uma dessas nações onde também se fala o
português, Cabo Verde. Carmem Tindó, estudiosa responsável por avanços
nesses estudos no Brasil, e José Luis Hopffer, poeta cabo-verdiano, apontam
algumas tendências na poesia atual do país. Ilustram os ensaios (ou
vice-versa) a poesia de Arménio Vieira, João Vário e uma pequena coletânea
de outros seis poetas, atuais e bem vivos. O primeiro disse certa vez que
há uma torneira sempre a dar horas e um relógio a pingar nos lavabos, como
quem diz que o tempo nos atormenta gota a gota e que a água tende a
escassear. Uma doença comum apontada por Noica.
Horácio Costa, nome de teórico, pena de poeta, disse-se invisível, um
homem de ar recusado pelo buril do tempo social. aNa B busca, na
experimentação, a prova da constante poesia. Dando saltos com suas patas
posteriores, aNa abre o misterioso coração do concreto e desnuda seus
ferros. De outra feita, Marcus Alexandre Motta quis uma nota de
advertência sobre o luso Pessoa, enquanto Jacob Rogozinski quer a verdade,
nada mais que.
Os lobos e os cães uivam na estréia de Cláudia Roquette-Pinto na prosa,
com fragmento de um romance inédito e, para quem quer voz, som, música,
Cesária Évora abranda a “sodade”. Márcio-André queimando numa máquina de
raio-X, Aderaldo Luciano finalmente demitido, o Zarvos a dedurar os
canalhas, pequenos e grandes, e toda a revista a reintroduzir-se no tempo
curto do ano iniciante. Sejamos bem-idos, sempre, pios que nem sempre
somos bem-vindos!
|