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renato rezende


नम




[rapina]

 

É a poesia que traz o homem para a terra.

Tempo estilhaçado.

Maneira de nunca mais pensar:

Passe um dia inteiro numa praia.

Melhor ainda: passe uma semana inteira. Dormindo na areia e comendo dos ambulantes:

Saiba apodrecer.

Um dia eu saio de mim mesmo e não volto.

Um dia abandono a casa iluminada.

Ninguém é de ninguém.

Ninguém combina com ninguém.

Tudo está solto.

Mariana é Deus.

Cocaína é Deus.

Não queimaria se não fosse fogo.

Tempo, doce companheiro.

Tempo: o melhor dos amantes.

Nossa conversa foi muito linda. Houve inclusive um momento mágico: o telefone quebrou, e ficamos os dois, mudos, cada um do seu lado, pensando que o outro havia se calado. 

A linguagem está estruturada como o tempo, ou o tempo é experimentado de acordo com a linguagem. 

Na noite escura, galopo uma mula no mar de sangue. 

Estou apaixonado. 

Vou pedir para ela me castrar. Encenar a castração. 

O fim do fim.

 

Leonardo,

eu quero saber,

onde está a galinhona gorducha

que pode me aquecer do frio da loucura.

                                                              Onde? 

Agora 

Quando pensar, ao invés de prestar atenção nos pensamentos, preste atenção no espaço entre eles.

                       Caia nesse espaço

 

                       Até a morte: 

Sem fazer nada, farei tudo—e farei qualquer coisa 

                                                                (pois eu já não sou eu) 

Sem fazer nada, farei tudo—e farei qualquer coisa (pois já não sou) 

Escrevo para morrer. 

Então tá, não sou poeta. 

Minha pátria é minha língua. 

Umbela   Joeira 

CONVENTO: 

Meu reino 

teândrico 

O poeta é um b-urubu.  

Bífido. 

Eu sou uma pessoa que se esquarteja.



[ossos] 

 

Eu fazia, fazia e continuava com a sensação de ser nada. Vazio. Enquanto você, sem fazer nada, era. É. Me ensina a ser, assim, já sendo—sem esse constante vir a ser.

 

Segure o Amor e solte todo o resto.

 

                                               Solta.

 

                                               Tudo é perfeito habitando o Amor, 

Amor, 

Eu te mando pelo correio um grande coração de chocolate, para você devorar de olhos fechados, como se fosse o meu próprio coração apaixonado. 

[depois me manda de volta,

num potinho,

o resultado do meu amor no seu sistema digestivo]

 

 

 

eu te amo desta forma ardente porque sei que nosso amor nunca vai se realizar

 

eu te amo porque você é impossível

                                                                      

                                                eu te faço impossível para poder te amar

 

eu gozo no impossível

 

eu quero o impossível

 

[eu sou um poeta português?]

 

 

(Fecho os olhos e me deito sob o sol, fora do tempo, sem história ou linguagem)

 

 

Meus olhos estão leves, como se flutuassem fora do corpo.

 

 

Sou um homem casto e uma mulher devassa 

Com doçura imagino ser devorado por demônios, enormes insetos cegos com garras, até que só restem os ossos, o esqueleto

 

ardente 

O sol explode no centro do meu coeur

O mago ordenou entoando em língua de mortos

 

                                        que cortassem meu corpo

                           limpassem meus ossos

recobrindo tudo

com carne nova 

 

Vi o corpo todo em fogo. É preciso incendiar o corpo. Preciso explodir no aqui.

Emergir do lado de lá.

 

 

Como reinventar-se? Como dar nascimento a si mesmo?

 

Não na linguagem, mas no próprio ser?

 

O corpo é a linguagem. 

Quem inspira e expira em mim agora são meus pés.




[vertigem] 

Tudo vale a pena 

Tout enfant, j’ai senti dans mon coeur deux sentiments contradictoires: l’horreur de la vie et l’extase de la vie.

 

Abyssus infinitudinis

 

Imagino usar sempre um hábito azul.

 

Caitanya Atman

 

Tudo é consciência

 

Caitanya Caitanya

 

 

A poesia morre

 

                 incapaz de explicar sua própria estranheza

 

[Poesia]

 

 

Arrebentar a roda da linguagem.

 

 

UM DIA EU SILENCIO

 

नम:

 

 

 

Eu confundo vida e morte?

 

A morte não é.

 

Volta: um salto para a terra.

 

 

 

A linguagem são todas as máscaras.

O silêncio profundo é essa balbúrdia.

 

Poesia:

 

 

Eu me enlaço com o mundo pelo amor.

 

O prazer aos porcos, eu quero o amor.

 

Tudo o que está acontecendo não está acontecendo comigo.

 

(escrevo no escuro, olhos atentos, sem enxergar nada

                                                        no leito do papel

                                                        sombras)

 

Abyssus infinitudinis

 

A sensação de que todo o meu dia – toda a minha vida – está sendo mastigada, na boca, e depois regurgitada: enfim apta para ser vivida.

 

como se purificada, humanizada, feita ouro

 

Em casa, uma coleção de bocas

                                              dentes

                                              pernas

                                              olhos

 

(a coisa mais linda

são olhos de gente)

 

ninguém de fato existe – fragmentos

 

coletados

 

colados por algum tempo, só aparência

 

                                                   o conteúdo é sempre o mesmo

 

cacos de espelho

 

o mundo inteiro meu espelho

 

eu não sou inteligente.

 

A inteligência é que pousa em mim, pensando.

O pensamento é que se pensa.

 

Sou todas as Consciências.

 

Doidivanas

 

Indivíduo imprudente, estouvado; adoidado, doidelo, girolas.

 

E agora?

 

Cala a boca e trabalha.

 

[Cala a boca e ama] 



RENATO REZENDE é poeta, autor de Passeio (Record, 2001), com o qual recebeu a bolsa da Fundação Biblioteca Nacional para obra em formação e Ímpar (Lamparina, 2005), ganhador do prêmio Alphonsus de Guimaraens. É tradutor de dezenas de livros e artigos de filosofia, história e arte contemporânea, além de poetas de língua inglesa e espanhola. Também desenhista, são dele as obras que ilustram esta edição da Confraria.
 


 

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