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entrevista com Nunca


grafito, pinto, picho, me alimento, transo e durmo

 

 


Régis Bonvicino: Por que você adotou o nome Nunca?


Nunca: Foi uma maneira de expressar o que penso sobre as regras que nos são impostas, tanto psicológica quanto fisicamente, quando aprendemos a “viver” a vida que vivemos na cidade de São Paulo.

RB: Você grafita, pinta e/ou picha?


Nunca: Grafito, pinto, picho, me alimento, transo e durmo. E ainda o grafite é um ato político porque, em diferentes níveis, compromete o interesse do artista em algo concreto, por exemplo, em criar contrapartidas para a colonização à qual o Brasil está submetido. Em meu caso, varia de acordo com o que sinto no instante de cada trabalho, ou seja, aquilo que estou percebendo sobre determinada coisa ou se quero ou não deixar isso em relevo no resultado de uma pintura.

RB: Há um desejo crítico, reflexivo, de ato de risco em seus trabalhos?


Nunca: O simples ato de pintar na rua, independentemente do que se faça, já é um ato de risco, em todos os sentidos: muitos grafiteiros já morreram em virtude de balas da polícia ou de quedas dos prédios que escalavam para pintar. Outras vezes, por seu turno, o tema do trabalho é mais importante que o próprio ato de pintar. Não crio regras para como eu vou usar a cidade. Meu trabalho é figurativo e, na maioria das vezes, gosto de explorar a parte “decorativa” dele, mas tudo depende de como eu vejo o lugar (o muro) e de como eu estou comigo mesmo.

RB: Fale da construção de suas personagens: você as imagina já nos muros quando ainda estão em sua cabeça? Por que os olhares de suas personagens são tão expressivos?
 

Nunca: Eu gosto de andar pela cidade e de descobrir novos lugares que podem ser pintados. São Paulo é uma cidade que tem diversas possibilidades para a ocupação de espaço. Eu saio pelas ruas sem saber o que vou encontrar: uma parede, que há dois dias estava branca, hoje pode estar pichada, e isso muda o modo como eu vou usar o espaço, mas tudo começa em minha casa, quando me sento à mesa e começo a desenhar; tudo começa ali: eu pego minhas experiências e coisas que penso, elaboro, e passo para o papel. Desse desenho no papel, posso fazer uma tela, uma instalação, uma peça de teatro, as possibilidades são quase infinitas. Alguns lugares da rua podem ser complementares ao tipo de trabalho que eu vá fazer, mas podem servir apenas como um suporte para o que eu queira pintar, pela visibilidade que dará ao trabalho. Procuro estabelecer uma relação com quem passa pelo lugar que eu pintei, com a pintura que eu fiz, mas esse é um elemento tão relativo quanto o próprio ato de pintar. Os olhares das minhas personagens? Sempre me olho no espelho para pintar o olhar de uma personagem. Vejo-me como um registro ambulante de minhas experiências e procuro criar olhares claros e sutis.

RB: Quais são suas referências de grafiteiros, artistas plásticos, músicos, poetas?
 

Nunca: Hoje em dia, minhas referências estão fora do âmbito do grafite. Ultimamente, pesquiso e estudo artistas que vinham ao Brasil para catalogar o que era visto aqui na época dos conquistadores. Um desses artistas foi Maximilian Wied-Neuwied, um príncipe que, a convite de dom Pedro II, veio ao Brasil pra catalogar as espécies de plantas e animais e os povos indígenas. Estudo também Debret e tenho pesquisado, há algum tempo, sobre a cultura indígena brasileira. Tenho ouvido muito a Orquestra Afro-brasileira e lido e relido O tao da física, de Fritjof Capra.

RB: Fale das técnicas que você utiliza para pintar.
 

Nunca: Hoje, o que mais me instiga são gravuras em metal, são técnicas para se chegar a um determinado resultado de sombra, luz e textura. O que tenho feito é aplicar esse processo a minhas pinturas.

RB: O grafite é hoje algo que se poderia chamar de banal? Grafiteiro é uma carreira como qualquer outra?
 

Nunca: O grafite é o que é por estar na rua e ser totalmente autônomo e descompromissado; fora da rua, o que se faz é utilizar a linguagem e a experiência que se tem com o grafite para fins comerciais e/ou outros; acredito que, quando se retira o grafite da rua, ele deixa de ser grafite. O mesmo se dá quando um artista se intitula grafiteiro, mas não tem essa experiência vivida e usa a linguagem do grafite sem dominá-la. Não sendo grafite, o que vai determinar se é instigante um trabalho que, por exemplo, está numa galeria, é se ele usa essa linguagem próxima daquilo que o artista traz da rua. A banalização do grafite normalmente se dá por meio de pessoas que não têm a experiência, mas que se utilizam da aparência da linguagem do grafite.

RB: Quando se percebe que um grafiteiro tem talento e outro não vale nada? Quais os elementos que decidem a qualidade de um grafite?
 

Nunca: Não sou “crítico de arte”. O que decide se um trabalho é bom ou não é sua qualidade estética e o compromisso do artista com o trabalho e, no caso do grafite, se o artista sabe ou não usar ativamente a cidade como suporte, ou se ele apenas “fala” que sabe fazer isso.

RB: Como você se sente ao ser mencionado no importante livro Graffiti Brazil (de Tristan Manco, Caleb Neelon e Lost Art) como “one of the rising stars of São Paulo graffiti scene”, tendo um capítulo exclusivo dedicado a seu trabalho? A consagração precoce (dados seus 24 anos) traz risco de cooptação?
 

Nunca: Para mim, a consagração é ter meu trabalho do jeito que eu quero que seja e sempre melhor. Meu trabalho vem sendo aprimorado desde meus doze anos, quando eu ainda criava nas ruas de Itaquera; precoce é quando algo acontece muito antes do tempo, e tudo que vem acontecendo com meu trabalho vem em boa hora.

RB: Quais são seus lugares prediletos para grafitar e pichar nas ruas?
 

Nunca: A cidade toda é um ótimo lugar para pintar, é um lugar que pede para ser grafitado e pichado; eu me sinto privilegiado de poder compartilhar esse sentimento de transformação da cidade com as pessoas comuns e com quem grafita ou picha.

 

Clique aqui e leia o texto de Régis Bonvicino sobre Nunca, publicado neste número.

 

 


 

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