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entrevista com Nunca grafito, pinto, picho, me alimento, transo e durmo
Nunca: Eu gosto de
andar pela cidade e de descobrir novos lugares que podem ser pintados. São
Paulo é uma cidade que tem diversas possibilidades para a ocupação de
espaço. Eu saio pelas ruas sem saber o que vou encontrar: uma parede, que
há dois dias estava branca, hoje pode estar pichada, e isso muda o modo
como eu vou usar o espaço, mas tudo começa em minha casa, quando me sento
à mesa e começo a desenhar; tudo começa ali: eu pego minhas experiências e
coisas que penso, elaboro, e passo para o papel. Desse desenho no papel,
posso fazer uma tela, uma instalação, uma peça de teatro, as
possibilidades são quase infinitas. Alguns lugares da rua podem ser
complementares ao tipo de trabalho que eu vá fazer, mas podem servir
apenas como um suporte para o que eu queira pintar, pela visibilidade que
dará ao trabalho. Procuro estabelecer uma relação com quem passa pelo
lugar que eu pintei, com a pintura que eu fiz, mas esse é um elemento tão
relativo quanto o próprio ato de pintar. Os olhares das minhas
personagens? Sempre me olho no espelho para pintar o olhar de uma
personagem. Vejo-me como um registro ambulante de minhas experiências e
procuro criar olhares claros e sutis.
Nunca: Hoje em dia,
minhas referências estão fora do âmbito do grafite. Ultimamente, pesquiso
e estudo artistas que vinham ao Brasil para catalogar o que era visto aqui
na época dos conquistadores. Um desses artistas foi Maximilian
Wied-Neuwied, um príncipe que, a convite de dom Pedro II, veio ao Brasil
pra catalogar as espécies de plantas e animais e os povos indígenas.
Estudo também Debret e tenho pesquisado, há algum tempo, sobre a cultura
indígena brasileira. Tenho ouvido muito a Orquestra Afro-brasileira e lido
e relido O tao da física, de Fritjof Capra.
Nunca: Hoje, o que mais
me instiga são gravuras em metal, são técnicas para se chegar a um
determinado resultado de sombra, luz e textura. O que tenho feito é
aplicar esse processo a minhas pinturas.
Nunca: O grafite é o
que é por estar na rua e ser totalmente autônomo e descompromissado; fora
da rua, o que se faz é utilizar a linguagem e a experiência que se tem com
o grafite para fins comerciais e/ou outros; acredito que, quando se retira
o grafite da rua, ele deixa de ser grafite. O mesmo se dá quando um
artista se intitula grafiteiro, mas não tem essa experiência vivida e usa
a linguagem do grafite sem dominá-la. Não sendo grafite, o que vai
determinar se é instigante um trabalho que, por exemplo, está numa
galeria, é se ele usa essa linguagem próxima daquilo que o artista traz da
rua. A banalização do grafite normalmente se dá por meio de pessoas que
não têm a experiência, mas que se utilizam da aparência da linguagem do
grafite.
Nunca: Não sou “crítico
de arte”. O que decide se um trabalho é bom ou não é sua qualidade
estética e o compromisso do artista com o trabalho e, no caso do grafite,
se o artista sabe ou não usar ativamente a cidade como suporte, ou se ele
apenas “fala” que sabe fazer isso.
Nunca: Para mim, a
consagração é ter meu trabalho do jeito que eu quero que seja e sempre
melhor. Meu trabalho vem sendo aprimorado desde meus doze anos, quando eu
ainda criava nas ruas de Itaquera; precoce é quando algo acontece muito
antes do tempo, e tudo que vem acontecendo com meu trabalho vem em boa
hora.
Nunca: A cidade toda é
um ótimo lugar para pintar, é um lugar que pede para ser grafitado e
pichado; eu me sinto privilegiado de poder compartilhar esse sentimento de
transformação da cidade com as pessoas comuns e com quem grafita ou picha. Clique aqui e leia o texto de Régis Bonvicino sobre Nunca, publicado neste número.
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